As minhas corridas na estrada

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Aquele post.

Sim, vão ter que apanhar com ele. Não era no 4º ano de blog que ia deixar o 4º post resumo por fazer.

Se bem se lembram, 2016 foi o ano esquizofrénico. O quê, não se lembram desse post? Como pode! Enfim, mais atenção, por favor. 

Como estava a dizer, se '16 foi o ano esquizofrénico, '17 foi o ano da estabilidade. Estabilizei a minha vida profissional e familiar e com isso estabilizaram os treinos. Foi o ano em que consegui melhor cumprir o que, na altura, me parecia o plano de treino ideal. Adoptei definitivamente os treinos de madrugada e sem chatices de lesões consegui quase sem falhas cumprir os 3000D+ mínimos semanais, isto nas alturas de carga. 

Os números finais mostram praticamente os mesmos quilómetros do ano passado (3600) mas mais desnível positivo ganho (140 mil em 2017, vs 120 mil em 16). Passei a fazer religiosamente duas sessões de ginásio por semana, coisa que aprendi a gostar e neste momento não consigo passar sem. Com isto andei praticamente todo o ano a sentir-me muitíssimo bem fisicamente. Mas se no dia a dia e nos treinos me sentia bem, esta estabilidade e aumento qualitativo do treino na verdade não se traduziu em melhores performances nas provas. Principalmente naquelas que realmente gosto: as grandes.

A primeira do ano foi a terceira na Madeira. Voltei para o Hat Trick no MIUT, aquela que considero a prova perfeita. No entanto, perfeito é um adjectivo que definitivamente não descreve a minha prestação. Ao contrário de 2016 não senti que fiz uma prova sólida, acabando quase uma hora depois do tempo desse ano. Tal como no UTMB, voltei a sentir dificuldades musculares nas descidas e logo na semana seguinte comecei no ginásio.


Julho foi o mês da grande prova do ano, o Andorra MITIC. E que prova! Tudo naquela corrida bate certo. Alta montanha, selvagem, técnica e muito, muito dificil. Adorei cada metro e ao contrário do MIUT acho que fiz uma prova bastante sólida, a melhor do ano e provavelmente das melhores da minha vida. Uma experiência inesquecível e indescritível. Uma prova obrigatória.


Depois veio Agosto que, como sempre, foi dos meses mais produtivos do ano. Mais quilómetros, mais desnível, mais confiança. Foi assim, num estado quase de levitação, que cheguei à Lousã para enfrentar os terceiros três dígitos do ano. Infelizmente acabou por não ser a prova que tinha idealizado. Apesar de sólida, esperava sentir-me melhor e andar mais. 


Ainda antes da prova da Lousã, embalado pela tal confiança exacerbada, decidi inscrever-me em mais uma empreitada de 3 dígitos até ao fim do ano, o Azores EPIC Trail Run. Percebi imediatamente a seguir à UTAX que me tinha precipitado, que o corpo pedia descanso. Acabei por ir aos Açores fazer a prova possível, depois de passar as escassas 5 semanas entre provas a lamber feridas. Uma prova muito complicada devido ao clima e terreno, acabou por ser muito mais dificil do que julgava. Arrependido por começar ou não, foi uma experiência fantástica correr nos Açores e um fim de semana que não trocava por nada. 


Cumprido o EPIC, guardei o mês de Dezembro para fazer reset. Acabou por ser um mês muito dificil. Como quase sempre depois de uma prova grande o sistema imunitário fica debilitado, por isso andei algum tempo a batalhar febres e dores no corpo, além das mazelas físicas que se foram acumulando. Acabou por ser o pior mês dos últimos anos. Mas agora acabou e 2018 está já aí!

Para o ano novo, estas são AS provas:

MIUT (115km, 7200D+, Abril) - Vai ser a minha quarta participação e...bem, já não há muito mais a dizer sobre ela. A novidade deste ano é que vou assumir a tentativa de chegar antes da meia noite (o record está em 24h07 de 2016). 

X-ALPINE (111km, 8400D+, Julho) - Demorei muito tempo até chegar a esta decisão. Estava muito inclinado para uma nova inscrição no UTMB, mas decidi adiar por mais um ano o regresso às 100 milhas. No entanto, o que não queria por em causa era o regresso aos Alpes. Se eu tivesse que idealizar um perfil perfeito acho que chegaria a algo como o da X-Alpine. Vejam:


Basicamente a prova tem 5 subidas, respectivamente com 1900, 1400, 1500, 900 e 1200 metros de desnível positivo. Já disse por aqui que o que gosto é subidas e descidas longas. Além disso vamos andar em alta montanha (todos os picos são acima dos 2200m, com o mais alto perto dos 2900), em terreno muito técnico verdadeiramente alpino.  Com uma taxa média de desistências superior a 50%, é uma prova que na 10ª edição é conhecida por ser uma das mais difíceis naquelas montanhas. Uma espécie de Mitic dos Alpes. 

Para a ultima prova grande do ano ainda estou em dúvida entre duas. O desejo é ir ao Ultra Trail Atlas-Toubkal (UTAT), em Marrocos. Mas provavelmente a viagem em família aos Alpes vai dar-nos cabo do orçamento, por isso em principio apostarei na caseira Estrela-Açor, versão 100km, que acontece em Outubro.

Como sempre, além destas, participarei em várias provas de distancias menores, a começar já daqui a duas semanas nos Trilhos dos Reis e acabando, obviamente, em Casainhos e nas Lavadeiras :).

Esquizofrénico, estável ou nenhum dos dois. Espero apenas que 2018 seja mais um ano com muita montanha, muita aventura e muitas horas a fazer aquilo que mais gosto com quem mais gosto. Mal posso esperar!



terça-feira, 5 de dezembro de 2017

EPIC 100 - A descida ao inferno verde

Inscrevi-me com aquela sobranceria habitual de quem está em forma. "100km com 4500+? Nos Açores? Tranquilo, aquilo até só vai aos 900 metros. Vamos lá dar esse passeio!". Faltavam um ou dois meses para o UTAX, nunca mais pensei nisso até mais ou menos a meio da prova da Lousã, quando comecei a perceber que provavelmente teria tido mais olhos que pernas. Já depois do UTAX, nas 6 semanas que intercederam as duas provas, finalmente mergulhei de cabeça nos Açores. Percorri o traçado no googlemaps, analisei o perfil e, acima de tudo, comecei a falar com pessoal de lá. 

Oh diacho. Parece que afinal não vai ser bem um walk in the park. Como é que é? Descidas muito técnicas? Parte pernas? Terreno difícil? Desculpa, podes repetir? Vai ser...EPICo??


Chegámos a São Miguel no próprio dia da prova. Eu, os Ribeiros, o meu tio Pedro e primos Cláudia, João e Miguel. Vinte graus e um céu quase limpo disfarçavam a tormenta que abalara a ilha na noite anterior. A dona do airbnb onde ficámos disse-nos, assustada, que tinha sido verdadeiramente impressionante. Uma trovoada como tinha visto poucas. Chovera ininterruptamente nos dias anteriores, até poucas horas de termos chegado. No ar pairava há algum tempo a ameaça de cortes, alterações de percurso e até mesmo a bomba atómica: o cancelamento. Pensámos que seria um exagero, afinal de contas a prova sendo organizada por Açoreanos, não podiam estar à espera que estivesse tempo bom em pleno Dezembro! ...Bom, a menos que fosse mesmo fora do normal. Seria?

Fomos ao briefing.

Um auditório cheio, com algumas centenas de pessoas, aguardavam ansiosos que o simpático e visivelmente nervoso representante da organização começasse a falar. As primeiras palavras que lhe saem da boca são qualquer coisa como: "Como sabem, tem estado muito mau tempo! Mas por agora não haverá nenhum corte. A menos que piore. Bem, se piorar até há a hipótese de se cancelar! Mas depois avisamos!". Deu-se então inicio ao briefing mais surreal a que já assisti. Pelos vistos o homem tinha uma pequena check list com avisos que ia consultando à medida que falava. A saber:
  • Cuidado com o nevoeiro, lá em cima é muito cerrado.
  • As vacas. Vão ver muitas vacas, desviem-se! Algumas comem fitas, também. Ah, se virem alguma a comer uma fita tirem uma foto, é engraçado!
  • Sabem aqueles cães de fila de São Miguel? Pois, adivinhem, vão passar por muitos! Mas estão todos presos. Acho eu. O ano passado havia um solto. Se encontrarem algum solto......bem, não sei o que hão-de fazer.
  • Vão passar por muitos terrenos de pasto. A separar os pastos há cabos eletrificados para as vacas não passarem. Sim, estão em carga, mas tentem não tocar lá e é na boa!
  • Ah, o touro! Vão passar por um touro! Mas o meu amigo disse-me que não faz mal a ninguém. Acha ele...
No fim disto tudo, já com toda a gente a rir descontroladamente, ainda solta um "ah pensavam que vinham passear!". A sério, foi bom de mais. Saí de lá a doerem-me os maxilares de tanto rir.

A preparar a mala no melhor airbnb de sempre
Passava pouco das 22:30 quando partimos em direcção à Lagoa das Sete Cidades. Eu, a Sara e os Ribeiros. As primeiras chuvas que ouvimos caíram um pouco antes, enquanto descansávamos em casa, mas agora parecia de novo calmo. Assim que chegamos ao ponto de concentração começa, do nada, a chover torrencialmente. Pego nos nossos sacos da Base de Vida, meu e do Sr. Ribeiro, e atiro-os para dentro de uma carrinha para depois, apressadamente, fugir para dentro de uma esplanada coberta dum bar junto à Lagoa, onde estavam os outros cento e poucos aventureiros. Lá dentro um ambiente tenso, mas muito engraçado. Entre atletas e acompanhantes não devíamos ultrapassar os 150, por isso era muito familiar. O mesmo senhor do briefing surreal pediu a atenção de todos e avisou-nos para uma alteração do percurso por causa de uma derrocada que tinha acontecido entretanto. Resultado: seriam mais 3500m. Nova risada! 


Poucos minutos antes da meia noite os 114 encaminharam-se lentamente para o pórtico, depois de uma vistoria de material obrigatório. Por mais provas que faça, aqueles minutos antes da partida de uma grande são sempre emocionantes. E gosto de partidas assim, mais pequenas. 

Meia noite em ponto, lá fomos nós.

Aí estão eles de volta! Primeiros 20km
Começámos com 3km pelas Sete Cidades. Passámos entre as duas Lagoas numa altura que o luar nos permitia ver o espelho de água e as paredes da cratera que nos circundava. Era uma dessas paredes, a mais alta, que iríamos trepar, num trilho chamado Baltasar. Que espetáculo de subida! Cerca de 500+ de um trilho roubado à selva, completamente embrenhado na vegetação que nos cobria totalmente. Muito vertical, muito enlameado e desafiante. Mesmo como gosto. 

Cheguei ao primeiro abastecimento com a moral em alta. A temperatura estava óptima, apesar de lá em cima estar o esperado vento muito forte e nevoeiro. No abastecimento estava o grande Armando Teixeira a dar assistência a um amigo, o Hugo Sá. Quando me viu tratou-me pelo nome. Acho que não dei nenhum gritinho histérico, mas não ponho a mão no fogo!

Lá em cima andámos muito em estradão, numa cumeeira da cratera. Por entre o nevoeiro fui vendo uma ou outra lagoa, mas não dava para muito mais. A descida para o segundo abastecimento, aos 20km, começou de maneira espetacular, na encosta de um vulcão. O caminho era coberto por uma espécie de areão, de origem vulcânica. Muito macio mas sem prender como a areia da praia, só ouvíamos o TXUFF TXUFF TXUFF dos passos enquanto voávamos pela encosta. Muito bom!

Dos 20 aos 40km. A Prova do Pasto!
O segundo abastecimento, do Reservatório, ficava na base da descida e imediatamente antes daquele montículo do gráfico, a Serra Gorda. Uma pequena elevação de 200 metros no meio do nada. Aqui, a meio da subida, perdi-me pela primeira vez. Reparei desde o inicio que as marcações não estavam grande coisa. Muito espaçadas e com várias canas e paus espetados sem fitas, deduzi que tinham voado muitas. Por isso, para me proteger, decidi tentar ir sempre com um grupo grande e esperar que em caso de engano alguém reparasse. Neste caso fomos mais de 10 ao engano. Problema resolvido, lá virámos a pequena elevação e continuámos para cerca de 20km de..pasto!

Google "pasto retalhos são miguel"
O pasto. Como podem ver pela foto, parece o green de um campo de golf, mas não podiam estar mais errados. Na verdade, trata-se de um terreno pisado até a exaustão pelas vaquinhas dos Açores tornando-o intransitável. Completamente encharcado pela chuva, não demos um passo sem ouvir  SCHLOK SCHLOCK e a sapatilha a ficar presa na lama. Foram QUILÓMETROS disto! Depois há os famosos retalhos, todos eles separados por muros, cercas e cabos eletrificados. Saltámos por cima ou passámos por baixo de centenas! Ah, e posso comprovar que realmente estão eletrificados, apanhei um choque num! 

Esta foi de longe a parte mais desinteressante da prova. Depois de ultrapassada a cratera das Sete Cidades começámos a andar em direcção à próxima Serra, a de Água de Pau. O problema é que entre elas não havia nada de relevo, literalmente. Foram km e km de terrenos de pasto, estradões, alcatrão e tentativas esforçadas de trilhos paralelos a estradas. 

Janela para Água de Pau. Até aos 60km
A subida voltou logo a seguir ao quarto abastecimento, numa zona industrial. Os cerca de 500m de desnível tornavam-na a terceira maior da prova, mas na verdade foi uma subida muito fácil, toda ela em estradão. Foi por aqui, já a chegar ao topo, que nasceu o dia. Ao contrário de todas as previsões, tinha sido uma noite muito pacifica! Não tinha apanhado um pingo de chuva e a temperatura estava agradável, apesar dos aparentes 100% de humidade. Os pés é que já nesta altura se iam a queixar. O terreno enlameado é terrível para os pés, que estão constantemente a responder a solicitações de todo o género. Além disso, o facto de ter que fazer força para tirar o pé da lama em todas as passadas estava a deixar-me a parte de cima do pé muito dorida. 

Foi na descida que entrámos finalmente noutra dimensão de São Miguel. Cada vez mais embrenhados na floresta, percorremos trilhos e levadas no meio de um verde intenso que contrastava com a terra preta. Tudo, mas mesmo TUDO era verde! Onde não haviam plantas havia musgo. A única cor diferente era o preto ou castanho do trilho fininho pisado. 

Aqueduto da Janela do Inferno. Passámos por cima, contornámos e passámos por baixo.
Continuámos a descida até muito perto da cota de Água de Pau. O percurso original não nos mandava tão abaixo, mas a tal derrocada que falaram no briefing antes da partida foi aqui, o que nos levou quase até lá abaixo apenas para voltar a subir tudo e finalmente descer até ao abastecimento. Foi outra parte chata, mas compreendo que por razões de segurança não pudéssemos seguir na floresta. Assim lá fizemos uma estrada de betão que contornava numa subida muito vagarosa a montanha, até finalmente a virarmos e vermos Água de Pau lá em baixo. A descida foi toda feita na mesma estrada, muito inclinada. Os pés, que partilhavam o interior da sapatilha com alguns quilos de lama, estavam a ficar destruídos pelo terreno muito dificil, já só queria chegar à base de vida, descalçar-me, limpar os pés e trocar de meias.

A chegar a Água de Pau
Cheguei lá abaixo um pouco antes das 10 da manhã. À minha espera estava a Sara e a Sra. Ribeiro, que esperava o Sommer, um pouco atrás de mim. A base de vida tinha condições muito boas, além de muita comida quente e balneários. Sentei-me enquanto um simpático voluntário procurava o meu saco para a muda. Até que percebi pelo semblante dele que algo estava mal.

Começou por procurar o meu saco na zona correspondente ao meu dorsal, mas agora já procura atrapalhadamente em todo o lado. Observei-o sem dizer nada. Percebi imediatamente que não estava lá, não eram assim tantos e o meu via-se bem. 

Caiu-me tudo. Ainda sem falar, comecei a fazer contas de cabeça. Como me ia safar? Tinha uma barra, pouca bateria no relógio, pouca bateria no frontal (apesar de ter o de reserva), com a roupa encharcada. Bom, não estava assim tão mal. Ia comer bem na base de vida, aproveitar a barra para comer na subida que previa fazer em 2 horas e depois levar comida de todos os abastecimentos. Queria trocar de roupa, principalmente de meias, mas azar. Não ia ser por aí. Levantei-me em silencio e fui lavar a cara com água fria. Quando voltei não sei quem estava com ar mais aflito, se o senhor da organização se a Sara! ahaha Sosseguei-os, havíamos de pensar em algo. Sentei-me a comer um pratalhão de canja enquanto planeava a estratégia com a Sara.

Lembram-se logo no início do texto ter dito que tinha enfiado os sacos para dentro de uma carrinha enquanto chovia? Pois bem, algures perto dessa carrinha estava outro sitio para meter sacos. Os da carrinha iam para a meta. Não estava lá ninguém a orientar, é certo, mas a culpa foi inteiramente minha que não reparei no outro amontoado de sacos e não perguntei. Como fomos de carro, ao contrário da maior parte da malta que foi de autocarro, já não ouvimos essa orientação. 

Isto trazia outro problema muito grave, o saco do Sommer teve o mesmo destino! Foi então que a Sara e a Sra Ribeiro começaram a sua própria ultra. Antes que ele chegasse ao abastecimento arrancaram para as Furnas, local da meta, para irem buscar os dois sacos. Depois voltariam a Água de Pau e esperavam que ele ainda lá estivesse para de seguida subirem ao Pico da Barrosa (topo da subida) para me entregar o meu. Ufff!

A subida. Aquela parte plana lá em baixo foi um erro do GPS.
Apesar de todos os percalços ia enfrentar a parte que mais desejava de toda a prova: a subida com 900D+. Já disse por aqui que é o tipo de subida que gosto. Como já esperava, comecei muito a custo. Ainda de barriga cheia e com pernas de descida, os primeiros 200 ou 300m de subida foram muito custosos, mas lentamente fui entrando na parede. Uma coisa estava a mudar à medida que subia: o tempo. Cada vez mais fechado e frio, mais ventoso. Passada a cota de 700m o vento era impressionante, fortíssimo! Subíamos por uma crista completamente exposta. Só via 5 metros de trilho para a frente e uma largura de 2 metros para cada lado, depois era um manto branco a toda a volta. O vento era ensurdecedor, a chuva horizontal picava como agulhas na cara. Assustador!

A crista era esta. Parece que sim. Só via branco à volta!
Segui de dentes cerrados e cabeça baixa até que a Sara apareceu entre o nevoeiro a dizer adeus. Já lá estavam em cima! Já tinham falado com os voluntários presentes a explicar a situação, deixar-me-iam utilizar a tenda militar que lá estava para trocar de roupa. Entrei imediatamente.
Aposto que nunca tinham visto provas com abastecimentos assim :)
Fiquei super animado. Troquei de roupa e fiz as tarefas todas programadas para a base de vida no quentinho da tenda. Toda a gente foi impecável, voluntários e militares. Muito simpáticos e prestáveis. No entanto, tinha havido um problema no plano delas. Quando chegaram a Água de Pau o Sommer já tinha saído e parece que estava a ter muitas dificuldades na subida. Não havia uma única estrada cruzada até lá acima, por isso era impossível dar-lhe apoio a meio. Acabou por desistir derrotado por um problema nas costas que lhe bloqueava os movimentos das pernas...

Os quilómetros mais longos. Até ao Pico da Vela.

A subida, ao meu jeito, tinha elevado muito o meu ânimo. A roupa seca não durou muito tempo, mas deixou-me muito confortável. Estava pronto para enfrentar a etapa seguinte.

Saí da tenda e logo levei com uma chapada do vento. Antes que pudesse arrefecer mais fiz-me à descida. E, meu Deus, que descida! Ainda dentro de um manto branco, iniciámos uma aventura num caminho completamente sulcado pela passagem da água. Regos com mais de um metro de profundidade, muito dificil. À medida que íamos descendo entrámos novamente na floresta, com um trilho cada vez mais fechado. Não imaginam o fechado que era! O trilho não teria mais que 30cm de largura, só cabia um pé de cada vez, paredes de verde erguiam-se a toda a nossa volta. 

Quando cheguei ao fim da descida, nesta altura completamente sozinho, parecia que tinha entrado noutra dimensão. Tanto, tanto verde. Espécies de árvores e plantas que nunca tinha visto, por todo o lado se ouvia água a correr furiosa, mas não se via nada além de verde e mais verde. Corria ao lado de uma levada com 1 ou 2km, nem via o céu, só verde e um carreirinho castanho escuro. Quando abria um bocadinho dava para ver que íamos dentro de uma garganta apertadíssima, com encostas cobertas de - adivinhem - verde! Parecia aquelas imagens do Vietname que se vê no Apocalipse Now. Na cota mais baixa, onde ia agora, não estava tão fechado como lá em cima, só uma névoa branca cobria tudo, o que dava um ar ainda mais tropical e fantasmagórico. Espetacular.

Encontrei na net. Era isto mesmo!
Também passámos aqui. Reparem nas encostas verdes.
A subida seguinte levar-nos-ia até ao Pico da Vela, quase nos 900m. Subiríamos a cratera da Lagoa do Fogo, no que devia ser um caminho de tirar o fôlego, mas este foi-se apagando à medida que subíamos. 

Foi-se o verde, voltou o branco.

Voltaram as cristas expostas. Voltou a monotonia do nevoeiro. A tareia mental que é subir e só ver 2 metros à frente. Como numa passadeira de terra, o chão passa por baixo de nós enquanto olhamos para uma parede branca. A subida era dificílima, muito técnica, com muitas descida abruptas no caminho. O tempo ficava cada vez pior, voltou o vento ensurdecedor e com ele a chuva grossa, que desta vez viria para ficar. Quanto mais subia mais agressivo ficava. O carapuço não se aguentava, por isso era baixar a cabeça e cerrar os dentes. Pareceu-me interminável, foi a subida que me custou mais em toda a prova. Demorei uma eternidade neste segmento, parecia que não saía do mesmo sítio!

Parece que a Lagoa do Fogo era assim!
No Pico da Vela estava nova tenda, que só vi quando estava a 2 metros dela. Entrei e refugiei-me, com a companhia apenas de 3 militares. Estava ofegante, tinha sido uma grande tareia. Estava assustado, o vento era inacreditável nas cristas expostas e a chuva era cada vez mais intensa. Dois minutos a olhar para o infinito em silêncio levantei-me e fui à luta.

O Inferno.
O tempo não deu tréguas, não daria até ao fim, mas a descida sim. Deslizei por um estradão até à base daquele primeiro montículo. Foi então que começou o inferno.

Os pastos. Voltaram os pastos. Agora com mais umas horas de chuva recente em cima e depois da passagem de centenas de pessoas das provas de 40 e 15km. Tinha pela frente um pasto verde enorme. 

SCHLOK SCHLOK SCHLOK

Impossível dar um passo sem enterrar o pé todo. Chovia intensamente. Quando pensava que não podia piorar dou de caras com um autentico rio de lama. Acreditem, não estou a exagerar, nunca vi uma coisa assim! Uma estrada com 3 ou 4 metros de largura em que toda ela era uma massa castanha viscosa. Não havia sitio para fugir, fosse por onde fosse enterrávamos os pés até meio da canela. Nunca vi uma coisa assim. Pensei tirar o telemóvel para documentar, mas tenho a certeza que ainda hoje lá estava enterrado. Quando parava um bocadinho sentia o pé a afundar, como se fossem areias movediças. Demorei uma eternidade, não conseguia progredir. 

Finalmente apanhámos um bom trilho para descer que nos levou até à Lagoa do Congro, que espreitava no meio de uma floresta densa. 

Lagoa do Congro do Google.
Depois de tocar na Lagoa, antes do abastecimento ainda tivemos que escalar a cratera, num trilho embrenhado na floresta aqui já coberto de lama. Seguia já muito irritado. Os pés estavam completamente destruídos. A progressão era lentíssima, o terreno estava cada vez mais dificil. Liguei o modo sobrevivência, já não me estava a divertir, mas agora ia lutar até ao fim.

No abastecimento à minha espera estava a Sara, que percebeu imediatamente que estava irritado com aquilo. Sentei-me a comer uma bela bolonhesa, servida pelos inexcedíveis voluntários. Voltei a encontrar aqui o Armando Teixeira, que transformou a minha irritação em vergonha! Além de ser um monstro da corrida é provavelmente o gajo mais porreiro do trail.

A minha versão do menino da lágrima enquanto comia bolonhesa.
Saí do abastecimento às 16:30, faltava uma hora para o pôr do sol, há algum tempo que receava esse momento. Ao longo do dia tive varios problemas com as marcações, perdi-me mesmo algumas vezes. Mal presas, ou mal colocadas, não sei. Estavam fracas. Com a noite o tempo estava a piorar cada vez mais, ia sozinho há horas, era certinho que ia ter problemas. Faltava apenas uma subida, de cerca de 300+, deveria chegar lá acima com a noite a cair.

Assim foi, e com a noite caiu o céu. A chuva era agora muito intensa e grossa. Não conseguia ver mais que 5 metros à frente e para ajudar o meu receio em relação às marcações confirmou-se. De fita a fita tinha que andar de cabeça levantada sempre à procura da próxima. O caminho não era de todo intuitivo, até porque não havia trilho, só rios de lama, mas as marcações não ajudavam nada. Cheguei ao pico e estava pior que nunca! Tive que ultrapassar um estábulo de vacas e perdi-me logo aí. No meio da bosta, lama, vacas e um barulho ensurdecedor da chuva e vento perguntei ao pastor aos gritos para onde era o caminho, o qual ele me indicou. Batalhei contra tudo até me perder novamente e ir em frente mais umas boas centenas de metros. Pufff.

Lá encontrei o Pico e fiz-me imediatamente à descida, assim que viro o monte levo com uma parede de vento que me volta a tirar o capuz da cabeça. A descida é numa encosta num terreno de pasto, um rio de lama e água, impossível pensar noutra coisa além da tarefa de não cair.

Até que, passada uma estrada no fim da encosta, a faltar escassos 1500 metros para o abastecimento,  uma seta encaminha-nos para dentro do bosque. Chegámos ao inferno.

PUUUFFFF

Assim que passo a linha das árvores parecia que o resto do mundo tinha sido abafado. Silencio. Era tão denso que não passava um pingo de chuva, não passava um som. Liguei o frontal no máximo e via milhares e milhares de troncos castanhos, sem fim à vista. Olhei para o chão e não havia caminho, só uma massa viscosa e castanha. Era de noite, mas tinha ficado mais escuro, como se tivéssemos entrado noutro mundo. Incrível. Mas o pior estava ainda por vir. Todo o chão, os 1500 metros de chão que me separavam do abastecimento, era composto por lama, sem trilho aparente. Uma descida íngreme e viscosa de lama no meio de uma densidade de árvores incrível. Caí muitas vezes, agarrei-me a dezenas de troncos. Escorreguei e desesperei. Não progredi, sobrevivi. De fita em fita levantava a cabeça para procura o próximo ponto luminoso. Demorei quase uma hora a fazer aquele troço, quando cheguei estava irritado e pronto a deitar a toalha ao chão. A primeira coisa que perguntei era se o resto da descida era igual. Se fosse, acho que tinha ficado por ali.

Voltámos lá no dia seguinte. Reparem como fica de noite lá dentro.

Aqui dá para ver a densidade dos troncos.
Como sempre, no abastecimento, estava a Sara. Ah, e o Armando e a Diana! Depois de perceber que o percurso já não seria tão mau até ao fim nem penso em comida e meto-me a caminho, só queria acabar aquilo.

Descia a correr num estradão (continuava a conseguir correr bem, não tinha era muitas oportunidades para isso) quando vi 2 ou 3 luzes brancas na minha direcção. Olhei para o lado, uma fita. Eu estava bem, eles perdidos. Juntei-me a eles e iniciámos uns surreais 15 minutos. Quatro pessoas a rodar frontais a 360º, à procura de fitas num descampado (pasto). O mais ridículo é que víamos uma, seguíamos até ela, depois tínhamos que parar novamente e procurar a próxima.

Já perceberam que fiquei um bocado irritado com as marcações. Custa-me deixar este reparo negativo à organização porque, acreditem, não passei por uma única pessoa com má vontade em todo o percurso, antes e depois da prova. Pelo contrário, toda a gente era extremamente prestável e simpática. Mas as marcações, não sei se por desleixo ou por terem voado muitas (acredito que tenha acontecido), estavam francamente más, principalmente à noite. Depois havia outro problema, o refletor, além de ser muito pequeno, refletia muito pouco. Era tipo o interior das embalagens de sumo tetrapak. Nunca levei o track no relógio para uma prova, neste caso teria ajudado muito.

Quando finalmente encontrámos o caminho estávamos junto à Lagoa das Furnas. Faltavam 5km, que seriam percorridos integralmente a contornar a Lagoa numa estrada em calçada.

Cheguei à meta, nas Furnas, chovia torrencialmente, só lá estava a Sara e mais 3 ou 4 pessoas da organização. Ensopado até aos ossos, passei a meta, dei um beijo à Sara, entrei de imediato no carro e fomos para casa. Estava feito. Quase 20 horas depois, São Miguel estava virado.

Foto da Sara do aspecto desolador da meta.
Como já disse por aqui gosto de provas em montanha pura, com subidas e descidas intermináveis. O EPIC não é isso, o EPIC é o que é e o que a ilha deixa. Uma prova com duas boas subidas, muito parte pernas, trilhos técnicos, florestas encantadas, paisagens exóticas e um terreno enlameado muito, muito difícil. Mas houve muito mais neste fim de semana que os 107km da prova. Houve uma ilha, um lugar novo, houve uma aventura completamente inesperada e bem mais difícil que do que pensava, houve lapas e bifes, houve amizade e família. Três dias que nunca vou esquecer e que fizeram valer cada um dos SCHLOK SCHLOK SCHLOK!

O que fica.
Queria só deixar isto aqui.

domingo, 26 de novembro de 2017

Lavadeiras, Casaínhos, Almeirim e uma grande empreitada.

Podia fazer deste o post de resumo do ano 2017. Falta um mês para acabar, mas podia começar este post a dizer que 2017 foi o meu melhor ano de sempre! Aliás, devia ser "esse" post. Mas não. 2017 ainda tem uma ultima aventura guardada. Uma aventura que teria tudo para ser uma grande comemoração, não fossem as nuvens negras que se têm formado nas ultimas semanas... Bom, mas já lá vamos. 

Na verdade, se o ano acabasse em Novembro, mais precisamente ontem, teria sido perfeito! Foi dia de voltar a uma das minha corridas preferidas, o Grande Trail das Lavadeiras.
Na minha terceira participação no GTL decidi pela primeira vez não fazer a distancia maior (45km) e, devido à tal ultima aventura de 2017 que vos falarei à frente, participei no trail longo, distancia de 25km. 

Quem leu os meus relatos de 2015 e 2016 sabe que esta prova é um caso especial para mim. No balneário, enquanto tomava banho, ouvi uma conversa que podia resumir tudo o que há a dizer. "Não há rigorosamente nada que possas apontar a esta organização", dizia ele. E é isso mesmo, não há ali uma única ponta solta. Uma organização discreta que não tenta ser mais do que pode ser, um grupo de teimosos que face às limitações de terreno no Baixo Mondego arregaçou as mangas e criou um conjunto de trilhos que fazem inveja a muita prova "grande". E é aí que está o coração das Lavadeiras, nos trilhos. 

Não esperem longas subidas, a prova de 25km tem apenas 600D+. Felizmente o acumulado positivo não é prioridade para esta organização e não se lembraram de meter o pessoal a subir e descer o mesmo monte uma data de vezes, como tantas vezes se vê por aí. Esperem trilhos, muitos trilhos. Uns rápidos, outros muito técnicos e de progressão lenta. Esperem muita lama, terreno difícil e quilómetros de trilhos cobertos de folhas secas. Esperem saltar por cima de dezenas de troncos de árvores e outros tantos que vão ter que passar por baixo. Esperem acabar com as mãos arranhadas e todas sujas. Entrar por túneis que têm que atravessar dobrados, esperem degraus, escadas e pontes de madeira. Esperem correr a 4´/km a meio da prova e logo de seguida andar agarrados a troncos de árvores para não escorregar. Não esperem enganar-se no caminho, é impossível com a qualidade de marcações e a quantidade de voluntários e bombeiros com que se vão cruzar. Não esperem passar fome ou sede, são dos abastecimentos mais completos que já vi. Esperem ser surpreendidos. Se 2018 vai ser a vossa primeira vez garanto-vos que o Grande Trail das Lavadeiras vai superar todas as vossas expectativas e aposto que será muito mais difícil do que julgam. No fim, depois do banho quente tomado no pavilhão da Granja do Ulmeiro, tudo vai valer a pena enquanto estiverem a comer o belo almoço com bebida à descrição que os Pés Troikados preparam para vocês. 


Este ano juntou-se uma grande comitiva do Grupo Desportivo da Parreira rumo ao baixo Mondego, éramos 10 separados pelas três provas. A grande surpresa foi, comandados pela nossa pérola João Lopes (3º lugar da geral), um espectacular 2º lugar por equipas no trail de 25km! O primeiro troféu de equipas que ganhamos! Quanto ao João, o nosso Flecha, um miúdo de 21 anos que ainda agora conseguiu a qualificação para a final da Taça de Portugal nos Açores, marquem as minhas palavras: ainda vão ouvir falar muito dele.

Uma fotografia para a história! O Flecha é o que tem o troféu na mão
Quanto à minha classificação, acabou por ser melhor do que pensava, ficando pelo 12º lugar. Ainda não foi desta que consegui um top 10 :)

Duas semanas antes das Lavadeiras participei na minha outra prova do coração, os Trilhos de Casaínhos.

O melhor elogio que posso fazer a esta prova é dizer que não mudou rigorosamente nada desde a minha primeira de 4 participações. Não há que inventar, tudo ali funciona bem. O percurso, de 15km com cerca de 800D+, pouco ou nada mudou desde 2014. As mesmas duas subidas muito longas, os mesmos trilhos muito rápidos e divertidos. Os únicos chouriços cheios são os que encontramos na habitual feijoada servida num ambiente muito familiar à hora de almoço. Por alguma razão, ano após ano, esta corrida perto de Lisboa esgota. E já vai na 9ª edição! Sinto-me em casa, em Casaínhos, e desconfio que não sou o único. 

Quanto à minha disputa anual com o Sommer, o meu arqui-inimigo sazonal... bom, é como eu digo, as coisas em Casaínhos mudaram muito pouco durante os últimos 4 anos. Mas o melhor é lerem a brilhante crónica que ele escreveu sobre a batalha de 2017.


Ainda antes de Casaínhos, uma semana depois da UTAX, tive a minha 10ª (ou 11ª? Já não seu) participação na prova da casa, os 20km de Almeirim.


Foi a minha única prova de estrada de 2017, mas não podia falhar. Os 20 para nós, Almeirinenses, é mais do que uma simples corrida. O atletismo popular sempre foi um pilar muito importante de Almeirim e é natural que a história da cidade se confunda com os 20, afinal de contas a prova comemorou este ano a sua 31ª edição, numa terra que foi elevada a cidade apenas há 26 anos! É com um orgulho enorme que constato que é uma das corridas mais conceituadas e respeitadas do país, mesmo não tendo nada a ver com a organização. 

Apenas uma semana após os 110km do UTAX, esta foi das minhas participações mais sofridas nos 20. Era suposto fazer uma prova tranquila, lá para trás, mas.....enfim, vocês percebem. Comecei num ritmo ambicioso que aguentei apenas até aos 15/16km. Foi quando levei a real marretada Almeirinense. E, ui, se deu forte! Os últimos 5km foram um sofrimento e arrastei-me até à meta quase um minuto por km mais lento do que nos primeiro 10km. Cruzei o pórtico com 1h27, muito longe da 1h21 que consegui há uns anos. Mas isso interessa pouco. Foi mais uma manhã muito bem passada a correr em casa, este ano num percurso novo que achei ainda melhor que nas outras edições.

Claramente esta foto foi nos primeiros 10km. No final já me ria muito pouco.
Foram assim 3 das 5 semanas que passaram desde o UTAX, no fim de Outubro. Teria sido um final de ano perfeito se por aqui ficasse. Três provas muito queridas para mim, nada de grandes aventuras, e agora seguia-se um Dezembro tranquilo a preparar 2018. Mas não. Ainda há isto:


Pois é. É já na próxima meia noite de sexta para sábado que vou iniciar mais uma grande aventura. A essa hora partirei da Lagoa das Sete Cidades, na ilha de São Miguel, para 105km que me irão levar praticamente até à outra ponta da ilha, nas Furnas. Uma prova que tem tudo para ser espectacular, mas que claramente vem numa má altura do ano para mim. 2017 já vai longo, com 3 provas de 3 dígitos e um record de quilómetros e de desnível positivo. Claramente o mês de Dezembro devia ser de reset, mas, num impulso, a cerca de um mês do UTAX numa altura que estava num pico de forma e achava que conseguia tudo, decidi inscrever-me em mais uma aventura. 

Mas o que me preocupa mais nem é a falta de descanso. Desde a Lousã que ando muito limitado. Durante a prova começou a doer-me o tendão de Aquiles na zona do calcanhar de um pé. Não me impede de correr, mas tenho andado a ignorar a dor pra ver se passa. Estou com um peso na consciência porque sei que está aqui qualquer coisa errada e meter-lhe mais de 100km em cima não há-de fazer muito bem. Se fosse uma prova em Portugal continental certamente não iria, mas com viagens e estadia compradas.... Enfim, vamos lá ver o que dá. 

Pronto, lá tiveram que levar com um parágrafo de choradeira! 

Bom, o post de resumo de 2017 terá que ficar para daqui a umas semanas. Voltamos a falar daqui a 7 ou 8 dias. Desconfio que vou ter uma boa história para contar!




segunda-feira, 23 de outubro de 2017

UTAX 2017 (110km) - Eu e o filhadamãe do trilho.

Cinco anos depois voltei à serra que acolheu a minha primeira aventura no trail. Desde então já fiz uma mão cheia de provas na Lousã. Duas vezes o TSL, outras duas os Abutres e ainda o Louzantrail. Mas faltava-me uma: a rainha. Uma das mais antigas em Portugal, a prova que explora a fundo a mítica Serra da Lousã, sem dúvida uma das melhores, mais agrestes e inacessíveis Serras para a corrida de montanha. Depois de um encontro adiado em 2015, este foi o ano em que finalmente enfrentei os 110km do Ultra Trail Aldeias do Xisto.


Três meses e meio depois da Andorra Mitic, parti para a minha terceira aventura de 3 dígitos de 2017. Foram 3 meses a treinar bem, talvez como nunca tinha treinado. À quilometragem e desnível que já fazia juntei duas sessões semanais de ginásio, o que sem dúvida me tem ajudado. Sentia-me bem, em forma, pelo que na sexta feira estava surpreendentemente calmo e confiante, tendo em conta a enormidade que ia enfrentar. À primeira vista seria a mais acessível das 3 deste ano. 110km com 5300+, quando a Mitic na mesma distancia tinha 10000D+ e o MIUT 7200

Mas foi só mesmo à primeira vista... Se eu precisava de um exemplo que nem sempre os números dizem tudo de uma prova, a Lousã tratou de mo dar. Não, nem foi bem isso. A Lousã tratou de me meter dentro de uma máquina de lavar roupa, ligou a centrifugação, deixou-me lá 20 horas e no fim deu-me um chuto no rabo e deixou-me estendido no chão!


A previsão era de chuva desde a meia noite até às 6 da manhã, mas às 23:59 o tempo estava perfeito. Fresco QB e sem chuva. Parti com uma tshirt térmica e manguitos, mas depois do que aconteceu em Andorra não facilitei e meti na mala material para o pior cenário. 

À meia noite em ponto deu-se inicio ao punk rock. A sério, literalmente! Blitzkrieg Bop a bombar bem alto, os power chords do Johnny Ramone, que ecoaram na minha cabeça horas e horas durante aquela noite, trataram de electrificar ainda mais os 321 que se preparavam para atacar de relâmpago os trilhos da Serra! Bora!

HEY, HO, LET'S GO!!


Ok, ok.. O ataque não foi bem um blitzkrieg. Na verdade aos 4km já estávamos engarrafados na entrada dos trilhos, e, convenhamos, o melhor é ir com calminha não vá a marreta dar de si. Por isso, Joey, se não te importas, LET'S GO mas com cabecinha.

Digam lá, já estavam com saudades dos meus gráficos feitos no paint.
Uma coisa engraçada nesta prova é que já conhecia praticamente todos os sítios onde passámos, pelas diferentes provas e treinos que lá fiz. Esta parte inicial, com saída da Lousã, passa por alguns dos meus trilhos preferidos da Serra, incluindo a passagem pelo castelo da Lousã e a famosa levada com quase dois quilómetros que nos mete a correr numa varanda de 50cm de largura com um precipício do lado esquerdo. 

Para quem ainda não sabia ao que ia (não deviam ser muitos), estes primeiros 17km mostraram bem o que esperar. Na Lousã raramente as subidas são constantes. Primeiro porque os trilhos são quase sempre muito técnicos, com muitas pedras, paus, raízes e pontes que obrigam a todo o tipo de movimentos, a inclinação nunca é constante, depois há as passagens por aldeias com muitas escadas e em cima disso tudo são quase sempre intercaladas com dezenas de pequenas descidas. 

Candal, foto do Miguel Cadalso
A chegada a Cerdeira, local do primeiro abastecimento foi aos 10km. O tempo mantinha-se surpreendentemente seco e frio, o que era excelente. Já não tinha os manguitos e comecei a alimentar a esperança de afinal a noite ser seca. Seguia-se uma pequena subida até ao ponto mais alto desta primeira fase, nos 900m. O abastecimento.... bem, vou guardar a opinião sobre os abastecimentos lá mais para a frente, para não me começarem já a bater.

Foi ali naquele planalto antes da grande descida, enquanto seguia a bom ritmo num excelente grupo, que começou finalmente a chover. Eram duas e meia da manhã, não pararia até às 7:30, ao nascer do dia. Bom, ninguém esperava que fosse fácil.

Até Povorais, 2º abastecimento
E que boa altura para começar a chover! Provavelmente a descida mais difícil da prova. Super inclinada e técnica. Apoiei-me nos bastões de maneira a poupar ao máximo os quadriceps do esforço de amparar os meus 70 e tal kilos em movimento. Resisti a vestir o impermeável até ao fim da descida, até que cruzámos um ribeiro no fundo de um vale apertado. Parei para o vestir e comer um gel. A chuva entretanto começara a cair forte e a temperatura baixara muito. 

Confesso que não me lembro muito bem do caminho até Povorais. Como sempre na Lousã, nunca sei muito bem se estou predominantemente a subir ou descer, e com a chuva a sensação de estar a ser centrifugado ainda é maior. A chuva pesada e o vapor da respiração impedem que veja muito mais que 2 metros à frente, por isso concentro-me unicamente em progredir da maneira mais eficaz possível. Entretanto tinha passado uma hora desde que meti o gel no vale, está na hora de comer. Olho para o relógio e estou em cima dos 9km anunciados para a distancia entre abastecimentos. Não devia tardar, decidi adiar a comida até ao abastecimento. Mas tardou. Quase 3km. A subir, o que significa uns bons 40 minutos. Lá chegou o abastecimento e ..... bom, falo disso lá mais à frente.

Povorais - Castanheira de Pera
Esta foi a altura mais difícil da prova. A chuva continua incessante e a temperatura baixa muito com a altitude. Felizmente esta fase final da subida era fácil, toda em estradão, o que deu para meter um ritmo muito constante e recuperar um pouco do esforço. A única dificuldade neste ataque ao ponto mais alto da prova foi o trânsito automóvel. Passaram uns 10 carros a subir e descer o estradão. Às 5 da manhã. A chover. No topo da Serra. Era uma festa lá em cima, acho eu. Sim, vamos dizer que era uma festa.

Seguia-se a looonga descida até Castanheira de Pera, 11km onde se perdem quase 700 metros de desnível. Lembrava-me bem dela da TSL que fiz há dois anos. Uma primeira fase muito técnica e trabalhosa depois maioritariamente estradões até lá abaixo. 

A entrada no vale de Castanheira de Pera coincidiu com o nascer do dia e com ele começou o festival Miguel Cadalso. Devem lembrar-se dele de outros posts aqui do blog, é o fotografo oficial do Quarenta e Dois. Ele é que ainda não sabe.




Os estradões e longos trilhos bons de correr embalam-nos num trote até à Praia das Rocas, local do terceiro abastecimento, em Castanheira de Pera. Os quilómetros feitos em passo de corrida desgastaram bastante o corpo e, como já aconteceu noutras provas, o nascer do dia tem um efeito negativo em mim, pelo que chego ao abastecimento um bocado abatido e desmoralizado. Entro e preparo-me para comer bem, para ganhar algum alento, mas..... enfim, falamos disso mais lá à frente.

Castanheira - Talasnal (Base de Vida)
O vale de Castanheira de Pera foi o único sítio devastado pelos incêndios por onde passámos. Foi impressionante. Já tinha feito esta subida no TSL há dois anos, lembrava-me bem de andar embrenhado numa floresta por um trilho que serpenteava entre as árvores. Agora a encosta estava completamente despida de árvores, mas por todo o lado despontavam da terra preta pequenos pontos verdes. O incêndio, o catastrófico incêndio de Pedrogão, já foi em Junho, entretanto a natureza estava a encontrar o seu caminho. Paisagens verdadeiramente surreais. 



Impressionante.
A subida foi, finalmente, ao meu jeito! Quase 600 metros de desnível positivo num trilho muito constante. Serviu para recuperar fisicamente mas principalmente voltei a ganhar ânimo. Lá em cima, no planalto, seguimos por estradões que puxavam à corrida e eu respondia-lhes. Enquanto houvesse pernas assim seria! 

A chuva entretanto tinha parado e o sol de vez em quando lá aparecia entre as nuvens. Não podia pedir condições mais perfeitas para fazer a descida até o Talasnal, é provavelmente dos melhores trilhos da Serra. Com poucas pedras e raízes, quase sempre coberto de folhas castanhas e ouriços dos castanheiros. É como se corrêssemos em cima de um colchão que serpenteia pela encosta abaixo. Estou convencido que é humanamente impossível não correr ali, mesmo que estejamos rebentados! O abastecimento do Talasnal, base de vida, está muito perto. Com ele a perspectiva de mudar para roupa seca e comer finalmente alguma coisa quentinha! Finalmente a coisa estava a encarrilhar.
A sério, tentem não correr aqui
Olha eu a chegar ao Talasnal! Desta vez a (muito boa) foto é da Patrícia Povoa.
O abastecimento do Talasnal é, como quase todos os outros, bem apertado e abafado, mas lá encontro uma cadeira e começo de volta dos meus afazeres. Depois do fiasco das bases de vida do MIUT e Mitic não queria falhar em nada desta vez. Percorri mentalmente a lista de tarefas e executei-as eficazmente sem perder muito tempo. Depois dos pés limpos com uma toalha, meias lavadas, tshirt e manguitos novos, relógio a carregar, reabastecidos os geis e barras para a segunda metade, power bank com cabo para carregar o frontal, casacos e equipamento para o frio na mala, lá me sentei a beber o litro de Compal de pêra que tinha levado no saco da muda. Uma dica do campeão Luiz Mota que aconselho vivamente, soube espectacularmente bem! Viro-me para uma pessoa da organização e pergunto pela comida quente, pelo que ela me responde....... bem, falamos disso depois.

Mochila às costas, saco fechado e siga!

Talasnal - Miranda do Corvo
Despeço-me da muita gente conhecida que está no abastecimento e saio bem disposto. Assim que meto um pé fora da casa vejo que o que se segue é uma descida um bocado técnica. Preparo-me para pegar nos bastões e...ups, ficaram lá. 

Volto para trás, envergonhado, pego nos bastões e meto-me a caminho.

Vou a sentir-me super bem, pernas leves e com muito ânimo. Desço as escadas do Talasnal em passo de corrida sem grande esforço e entro num trilho em bom ritmo. Lembro-me de olhar para o perfil que está no dorsal para ver o menu que se segue. Ora deixa lá ver o dorsal..ora o dorsal está...o dorsal....? O DORSAL!! 

Merda. Ficou no abastecimento! Filhadamãe. Toca de subir tudo até lá acima e com cara podre ir buscar o porta dorsal. Como disse o Bruno Ribeiro quando me viu a voltar para trás "tudo só para ter mais umas linhas para escrever!".

Saída do Talasnal. Esta parte fiz duas vezes a descer e uma a subir! Lucky me!!
Estávamos agora a encaminhar-nos para o vale de Miranda do Corvo, numa subida que nos levaria até ao Observatório. Foi a fase com mais estradões da prova, incluindo um longo e plano que nos obrigou a correr uns 5km. Antes de chegar a esse planalto, enquanto fazíamos uma outra subida em estradão, perguntei a um fotografo se o observatório era já lá em cima, ao que ele respondeu "o observatório?? oh amigo, ainda falta muito, MUUUUITO!!! Uuui, é tão longe!!!". E pronto, foi neste preciso momento que encontrei a única pessoa do mundo inteiro que à pergunta "ainda falta muito?" não responde com "é já ali!" ahahah.

Fim do estradão, mesmo a chegar ao Observatório. Viemos daquele lá ao fundo. Este da frente é o famoso Cadalso!
Cheguei ao abastecimento do Observatório bastante bem. É verdade, os estradões são chatos, mas se forem bem enfrentados são excelentes para recuperar energia, principalmente a subir. 

Lá em cima comecei a fazer contas de cabeça ao que faltava. Descer até Miranda e subir pelo outro lado do vale até Gondramaz. Ok, basicamente falta o percurso dos Abutres feito em sentido contrário e depois descer até à Lousã!

A descida é quase toda ela boa de correr, mas de vez em quando lá vamos passando por trilhos super técnicos que iam lentamente destruindo o corpo. A meio ainda passamos pelo abastecimento de Vila Nova. Este, para variar, num espaço bastante amplo. Como sempre, a descida é intercalada com pequenas e inclinadas subidas. Provavelmente não está a transparecer neste relato, basicamente porque ainda não rebentei, mas este tipo de percurso é terrível e está a ser duríssimo. Tanto passamos 5km a correr num estradão como entramos numa secção técnica em que progredimos com dificuldade ao ritmo de 20'/km. Sinto-me bem a nível muscular, mas as articulações começam seriamente a queixar-se do muito difícil terreno e brutal leque de solicitações. 

A chegada ao ponto mais baixo, em Miranda, acontece aos 90km. Faltam 20km, 10 até Gondramaz e depois a descida final. Nunca nesta prova pus em causa que chegaria ao fim, mas nem aqui, em Miranda, consegui pensar que já estava. Como a prova não tinha grandes descidas ou subidas organizei-a por etapas entre os abastecimentos. Sabia que me faltava pelo menos uma etapa muito difícil, a subida até Gondramaz.

Miranda do Corvo - Gondramaz
Este segmento é literalmente a parte final dos Abutres em sentido contrário. Foi engraçado os sentimentos contraditórios que tive nesta subida. Lembrava-me praticamente de tudo dos Abutres. Começa super técnico em Gondramaz e vai diminuindo de dificuldade à medida que chegamos a Miranda. Lembro-me do sentimento de alívio quando pisei o alcatrão de Miranda, mas desta vez ia em sentido contrário, perfeitamente consciente que ia enfrentar a parte mais difícil de toda a prova.

Estava muito moído, mas ainda me sentia com pernas, por isso corri toda a parte inicial de estrada e estradão, enquanto o nível de dificuldade ia subindo. E como previsto, ela foi aumentando. Gradualmente fomos entrando em trilhos mais e mais difíceis. Rochas, lama, correntes e cordas. A progressão era lentíssima, parecia que nunca saímos do mesmo sitio. Subíamos 50 metros, descíamos 20. Vezes sem conta. Sempre a pique, sempre difícil! A cota parecia não subir, até que finalmente chegámos à parede final, que nos levaria 200 metros acima, até Gondramaz. Lá de cima ouvi o João Rita a chamar por mim, companheiro do Grupo Desportivo da Parreira. Estava a chegar a casa. Gondramaz mais uma vez foi a nossa base e lá em cima estava toda a família da Parreira e Almeirim. Nem dei pela subida. Sentei-me à porta da nossa Casinha do México a comer uma sopa quentinha. Não era do abastecimento, era mesmo nossa...

Não me canso de elogiar esta casa. Procurem no Facebook - Casinha do México.
Eram 18:20 quando acabei de comer. O sol ainda brilhava mas a noite não tardava por isso aproveitei para meter o frontal e os manguitos.

Gondramaz - Lousã
Praticamente todos os quilómetros que percorri em grandes ultras foram sozinhos. Não gosto muito de me colar por duas razões: se estou mais lento não gosto de forçar para conseguir acompanhar nem que os outros esperem por  mim e se vou mais rápido não gosto de abrandar para esperar. Mas em Gondramaz saiu-me a sorte grande. Já há alguns quilómetros que passava e era passado por um grupo de 3 vimaranenses, íamos com andamentos muito parecidos. Decidi ali que seguiria com eles até ao fim e foi a melhor decisão que tomei, custou muito menos! 

Foi juntos que enfrentámos mais uma dose de trilhos super técnicos a sair de Gondramaz. Juntos entrámos na segunda noite e junto iniciámos a grande descida de 7km até à Lousã. Cruzámos a meta os 4, 20 horas e 38 minutos depois de termos partido da Lousã. 

Infelizmente ainda não achei uma fotografia com os 4.
Foi assim a história da minha 9ª aventura de 3 dígitos. Eu sei, o relato não foi grande coisa. Na verdade a minha corrida também foi um bocado sem história. Nunca rebentei, nem me senti perto disso, mas também nunca andei tão leve e solto como achava que andaria. Antes de começar apontei para entre as 20 e 21 horas, o que seria uma prova a correr bem. Secretamente tinha a esperança de baixar das 20 horas, porque me sentia muito bem nas semanas que antecederam a prova, mas infelizmente não se confirmou. Não me interpretem mal, foi provavelmente a prova de 3 dígitos mais sólida que já fiz, mas... não sei, esperava mais. A Sara e os miúdos não me puderam acompanhar, depois de estar tudo combinado há muito tempo, acho que isso contribuiu para que no fundo tivesse passado 20 horas a ver se despachava aquilo.

Quanto ao percurso, organização e abastecimentos... bom, acho que tenho que dizer qualquer coisa. 

Primeiro, o percurso. Como disse lá atrás, reconheci praticamente todos os sítios onde passámos, a UTAX agrega todos os trilhos da Lousã. Sinceramente, acho que uma prova de 50km é mais equilibrada nesta Serra, fiquei com a sensação que houve um certo enchimento de chouriço para chegar aos 110km. Quanto ao tipo de percurso, como perceberam, não é de todo onde me sinto melhor. Prefiro subidas e descidas muito longas, quilómetros verticais e alta montanha. Mas percebo perfeitamente que haja quem prefira este tipo de percurso. Reforço, é só a minha opinião. Gostei de fazer as provas de 50km nestes caminhos, adorei os TSL e os Abutres que fiz, mas desta vez, a certa altura, já só queria sair dali. 

E agora, os abastecimentos. Prometi a mim mesmo que nunca mais falaria de abastecimento, depois da tareia que levei no relato do Louzantrail. Mas desta vez queria dizer alguma coisa. Eu sei que assim que lerem isto vão aparecer os mauzões do costume a dizer que os abastecimentos podiam ser só casca de pinheiro e água da chuva, mas para mim há mínimos a cumprir. Por exemplo, não acho normal que numa prova de 110km só haja comida quente em dois abastecimentos, um aos 34 e outro aos 98km, nem na base de vida havia!. Não acho normal que haja um desequilibro tão grande entre salgados e doces, via tortas danecake, chocolate, gomas e biscoitos em todos, mas salgados praticamente não vi. Não acho normal que a informação de distancia entre abastecimentos tenha sido erradas tantas vezes, e isto para mim é o pior. Aprendi com o tempo a não estar dependente dos abastecimentos, porque nem sempre são ao nosso gosto, por isso parto sempre com comida para ser auto suficiente e foi isso que aconteceu. Nunca comi tantos geis numa prova. Quando percebi o que enfrentava passei a comer um gel ou barra de hora a hora, certinho, se apanhasse um abastecimento 10 minutos depois não interessava. 

Enfim. Detesto acabar neste tom negativo, por isso deixo-vos uma ultima foto do Cadalso. Eu nunca fui ao pé dele, quando passei neste ponto ia sozinho. Juro que pensei "epah, que espetáculo. Só espero que o Cadalso tire uma foto disto, tem que entrar no post!" E, adivinhem, o Cadalso tirou :)

As encostas queimadas de Castanheira, pontuadas de verde. A vida vence sempre!