As minhas corridas na estrada

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

I Meia Maratona de Évora - Correr no estado puro.

Este domingo corri a minha segunda prova de estrada do ano. Foi em Évora, a minha cidade portuguesa preferida. Desde que descobri a montanha têm sido cada vez menos as incursões no alcatrão, mas desenganem-se se acham que é por já não gostar. Foi no alcatrão que descobri a minha paixão pela corrida, naquela Meia Maratona de Lisboa, em 2003, onde levei das maiores marretadas da minha vida. Não, eu tenho corrido poucas provas de estrada porque, pura e simplesmente, tenho medo delas!

Partida brutal na Praça do Giraldo
Passo a explicar: eu não vou para estas provas passear. Não contem comigo para essa coisa do "ir em ritmo de treino". Tenho plena consciência que nunca hei-de ganhar nada, mas raios me partam se não deixo tudo o que tenho na estrada! Há muito poucas coisas que se comparem a irmos no limite, com todas as fibras do copo a pedir para parar ou abrandar, com músculos a arder, garganta com sabor a sangue, passar aquela ultima subida, aguentar naquele fio da navalha mais 100, 200, 3000 metros, dum lado a glória, do outro o inferno de ter de ceder, dentes cerrados, braços desconexos, passadas exageradamente largas, vês a meta, olhas para o relógio, mais um pouco e... vocês sabem o resto!

Até. À ultima. Gota.
A meia de Évora está incluída no circuito Running Wonders. Cinco corridas em locais turísticos, património da humanidade. A ideia de aliar a corrida ao turismo agrada-me bastante, pelo menos antes de começar a correr. Tenho que ser sincero, para mim, ao contrário de numa prova de trilhos onde os sítios onde passamos têm uma importância fulcral, na estrada isto só é importante até àquele momento mágico que é o tiro de partida. A partir daí meto a minha "game face" e só uma coisa importa: chegar ao fim o mais depressa possível. 

O tiro de partida foi dado na Praça do Giraldo. Lá estavam os cerca de 2000 atletas, divididos pela meia, mini (10km) e caminhada. Felizmente, os cinco mil anunciados pela organização não se confirmaram, porque nem a Praça nem os dois quilómetros iniciais dentro da parte histórica comportariam tanta gente. Foram dois quilómetros de uma espécie de trail urbano (seja lá o que isso for) que passou pelos espaços mais emblemáticos da cidade. Aqui reside a única critica que tenho a apontar a uma organização que roçou a perfeição. Preferia que após o inicio a prioridade fosse escoar o pelotão imediatamente para as avenidas e se guardasse a incursão mais urbana para o final. As bandas filarmónicas, as tunas, os músicos de rua, os monumentos e as travessas estreitas acabaram por ser abafados pela urgência de zigue-zaguear até encontrar caminho livre para correr. Esse, encontrei-o antes do terceiro quilómetro, quando entrámos nas variantes largas nas quais andámos 95% do percurso. Aí sim, começava a prova.


A meia de Évora não foi uma corrida fácil, tinha bastantes e longas subidas e este dia teve a agravante de estar uma grande ventania. Sim, estou a falar das subidas numa prova de 21.1km com 200d+! Há quem diga que uma prova de estrada com subidas é bom para o pessoal do trail, mas eu não podia estar menos de acordo. Estamos a falar de coisas completamente diferentes. Partindo do principio que vamos a um ritmo muito próximo do nosso limite em plano, uma pequena rampa pode ser tão assustadora como uma parede de 500d+ nos trilhos. Não há gestão de esforço, não há mãos nos joelhos ou parar a meio para recuperar o fôlego. O objectivo é um e só um: chegar lá acima e prejudicar o menos possível o ritmo médio, nem que para isso se chegue aos 200 bpm.

Aqui não dava para fugir do empedrado.
Apesar do percurso ser praticamente todo fora do centro da cidade, a presença de pessoas a apoiar foi constante, como tenho visto em muito poucas provas! Outra coisa que reparei foi o rigorosíssimo policiamento das ruas, a cidade literalmente fechou para esta corrida e é assim que deve ser. No geral, como disse no inicio, foi uma corrida que em termos organizativos esteve praticamente perfeita, apenas com o reparo que referi. Foi a corrida que Évora há muito merecia e será sem dúvida nenhuma um ponto de retorno anual obrigatório para mim. 

Foto do Sérgio Nuno Pontes
A minha prova foi exactamente o que estava à espera, muito aquém do que sou (e já fui) capaz. No inicio do ano, quando soube desta corrida, pensei que seria uma oportunidade excelente de finalmente fazer uma meia a sério, a rondar 1h25. O plano era após o UTAX dedicar-me 100% a ela, mas a porcaria da lesão estragou tudo. Sabia que estava a valer qualquer coisa à volta de 4:30 min/km e foi para esse ritmo que corri. Acabei com média de 4:24 e 1h34 de prova. Nada de especial, mas acreditem que foi TUDO o que tinha, por isso fiquei muito satisfeito.

Das medalhas mais bonitas que já recebi!
Tinha muitas saudades de correr na estrada. Confesso que me faz confusão o pessoal do trail que diz detestar estrada. Eu adoro correr, ponto. Não acho uma seca correr na estrada, simplesmente porque correr nunca será uma seca! Estas provas populares, para mim, representam a corrida no seu estado mais puro. Não há elementos externos a influenciar, há o teu corpo e a maneira como o preparaste. Ele não te vai entregar nem mais um grama do que lhe deste nas semanas anteriores, mas vai compensar-te o trabalho a 100% e isso para mim é lindo!

domingo, 15 de novembro de 2015

VII Trilhos de Casaínhos - Desilusão completa.

Depois da experiência ultrajante e enfurecedora que foi correr em Casaínhos o ano passado, quando seguia no grupo da frente e me perdi (e com isso perdi também, muito provavelmente, a hipótese de me qualificar para os mundiais de trail) e ainda assim acabei por passar uma excelente manhã, decidi que voltaria este ano. Desta vez ia provar, sem espaço para dúvidas, que aquilo não presta mesmo pra nada!


Infelizmente a coisa começou a correr mal assim que saí de casa com a família. O dia estava limpo e fresco. Hm.. "Com certeza lá em Casaínhos está a chover!". Mas não. Estava bom. 

Assim que chego e saio do carro, quem é que encontro? Aquele gajo que diz que só é maratonista quem faz sub 3 horas? O outro que diz que os ultras são peregrinos de Fátima porque andam nas provas, e que os que correm é porque estão dopados? Não, nada disso. Encontro o Paulo, um leitor do blog que se apresentou simpaticamente, o Ricardo Pebre, o famoso Espanhol (Nuno España), o Sommer e o Gonçalo, com quem tive um dos melhores treinos de sempre.... Enfim, só pessoal impecável! Estava a ficar difícil. Mas tinha a certeza que assim que começasse a prova a coisa ia descambar!


A minha cara de consternação aquando da partida
Lá arrancámos às 10:45 em ponto. O percurso foi muito alterado em relação ao ano passado, por isso corro sempre com a sensação que estou a conhecer os sítios pela primeira vez. E como foi bom conhecer aqueles trilhos abertos recentemente, limpos e rápidos, pela primeira vez! Ainda por cima, só para me irritar ainda mais, as marcações estavam perfeitas! Subimos os 3 primeiros quilómetros e descemos os 4 seguintes por single tracks muito variados. Em várias descidas, inconscientemente, sorria de prazer. Mas logo a seguir lembrava-me que estava ali numa missão!



A grande parede da prova este ano surgiu aos 7.5km. E que boa parede! Subi-a com as mãos nos joelhos e com a adrenalina extra de ir a olhar por cima do ombro à procura de um esquilo anafado que me tinha desafiado a uma prova dentro de uma prova, com a humilhação extrema do vencido ser oficialmente considerado um ovo podre. Subi com sabor a sangue na boca (já que falamos de esquilos..), a escorrer suor e pulsações no limite. Já perto do fim lembrei-me de já ter passado por um abastecimento e que, agora que estava com sede, de certeza que não havia nenhum lá em cima! ...Mas havia. Raios.

Metade da prova estava feita e até agora não tinha nadinha a apontar. Uma desilusão. Mas não perdi a esperança, com certeza a partir dali os trilhos iam ser substituídos por estradões, os voluntários deixariam de ser simpáticos (com alguns inclusivamente a tratarem-me pelo nome, como a Cláudia e o Jorge, vejam lá o desplante!), as marcações dos km deixariam de estar certas ao metro, as descidas passariam a ser chatas e as subidas curtas!

Mas não. Pelo contrário. Ainda ficou melhor! Trilho atrás de trilho, mais uma subida trabalhosa, voluntários em cada esquina, abastecimentos nos sítios certos, descidas técnicas e divertidas... Enfim... 

Praticamente dei a manhã por perdida quando passei a meta e fui recebido pela Sara e a Mel mas também por aplausos e sorrisos de pessoas da organização.

Com cara de poucos amigos na chegada
Saí de casa com o objectivo de confirmar que o facto de no ano passado ter sido das provas que me diverti mais tinha sido só um acaso, mas falhei redondamente. Mais uma vez acabei a prova em Casaínhos satisfeito! Uma desilusão..que me façam isto uma vez ainda vá, agora duas...

Pouco tempo depois chegou o Esquilo que já tresandava a ovo podre, mas que ainda assim se juntou a nós para o almoço. 


Ah! O almoço! É isso, de certeza que não presta pra nada! Pior, não só o almoço vai ser mau como o Espanhol afinal será um gajo horrível, o Sommer vai estar tão lixado que vai ser antipático e o ambiente será péssimo!! Só isso poderia estragar a manhã perfeita e confirmar os meus receios!

Desilusão, mais uma vez.. O almoço estava óptimo, o Espanhol é fixe e o Sommer continuou a ser dos gajos mais porreiros que conheci através do trail.

Bah...

O melhor é voltar para o ano.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

II Trail Vila de Nisa (30km)

Eu adoro treinar. A sério! Gosto de seguir um plano e saber que se fizer bem o meu trabalho vou receber uma recompensa. Mas, ao contrário dos puristas, o treino para mim não chega, preciso de recolher essa recompensa. Já muito foi dito sobre a diferença entre ir para as provas passar um bom bocado ou competir, eu não consigo separar as duas coisas. Podia pegar na família, ir passar o fim‑de‑semana ao alto Alentejo e aproveitar para dar uma corridinha, mas não é a mesma coisa. Gosto de estar na linha de partida. Gosto de olhar para trás e não ver ninguém, gosto de perseguir o gajo que vai 200 metros à frente e não sabe descer e adoro passar pessoas nas subidas. Dar tudo o que não daria num treino, sentir aquela adrenalina de recta da meta que nos faz esquecer as cãibras, ser recebido pela família e passar o pórtico de sorriso nos lábios! É um vicio tão grande como a própria actividade de correr e é incomparável a qualquer treino, por mais perfeito que este seja. Foi por isso que, ressacado, decidi inscrever-me no II Trail Running Vila de Nisa. 


A travessia do distrito de Santarém para Portalegre foi feita no próprio dia, na companhia do meu companheiro de equipa Joel e dos meus companheiros de aventuras Vasco e Rita. Tinha decidido com a Sara que, para poupar dinheiro, desta vez iria sozinho, por isso foi com surpresa e alegria que a meio da viagem recebo uma sms dela a desejar boa sorte e a avisar que estariam na meta à minha espera :) há coisas que o dinheiro não paga...

Eu e o Joel com a nova camisola do clube. Espectáculo!
Levantado o dorsal, equipamento preparado, pedi a um amigo um pouco de pomada de aquecimento para colocar no sítio onde tive a lesão depois de Arga. Foi a primeira vez que usei aquilo, talvez por isso tenha achado desnecessário lavar as mãos no fim e, já a correr, limpar o suor da testa, permitindo que a pomadinha de aquecimento me escorresse para os olhos durante as 4 horas seguintes. Sim, foi tão estúpido quanto soa...

Obrigado Google.
A partida foi dada às 9 em ponto para os cerca de 100 atletas que alinhavam à partida do trail longo (30km). Tenho, aliás, todos temos, aquele hábito de quando se vai a um sitio desconhecido fazer uma prova de montanha olhar à volta à procura dos montes mais altos. Em Nisa foi uma missão fácil, havia um que se destacava muito de todos os outros. No topo, melhor do que qualquer fita perfeitamente colocada a indicar o caminho, quase como um sinal gigante em Neon a dizer "vais passar aqui", lá estavam elas: as antenas! No trail há duas certezas, em caso de dúvida é para subir e se há antenas vais lá passar!

Até lá chegarmos tivemos que percorrer cerca de 5km de estradões com ligeiras inclinações. Bons para correr, aquecer e conseguir deixar de pensar de 5 em 5 segundos "está a doer?". A paisagem foi mudando muito à medida que avançávamos e nos aproximávamos do sopé da serra, a tal que se via à distancia. Esta atingiu a sua plenitude quando atravessámos uma linha de água na sua base, aos 9km. Agora sim, ia começar.


Como podem ver no perfil, a prova tem 9km iniciais praticamente só a descer, depois 8km finais onde se sobe ligeiramente. Quer dizer que os 1500d+ estão basicamente concentrados nos 13km intermédios. É precisamente nestes 13km que está a alma desta prova. Um Alentejo diferente que se explana em paisagens graníticas com muita vegetação e uma elevação até perto dos 500m. Os estradões foram substituídos por trilhos que serpenteavam na encosta à medida que nos elevávamos centenas de metros acima da planície alentejana, que se estendia até ao infinito. Depois de uma primeira subida de 150m verticais descemos por um trilho rapidíssimo até à aldeia de Pé da Serra, onde atacaríamos a maior subida da prova: uma parede de 250+ percorridos em 1km. 

Gosto destas subidas! Cada vez gosto menos daquelas subidas em estradão tipo corta fogo. Gosto de subidas que dêem trabalho, que se mostrem lentamente, que surpreendam depois de cada curva e não nos deixem adormecer a olhar para as sapatilhas. 

Marco geodésico no topo da subida. Outro ponto de passagem obrigatória no trail!
Chegados ao fim da subida havia o segundo abastecimento, muito completo, como todos os outros. Mas o melhor dos abastecimentos de Nisa não era o isotónico ou os salgados, eram os voluntários! Pessoas impecáveis, simpáticas e prestáveis, espalhadas por inúmeros pontos do percurso! Foi provavelmente a prova onde vi mais pessoas por quilómetro, não havia um único cruzamento que não estivesse vigiado. Não que fosse preciso, a marcação estava irrepreensível. 

Se esta subida tinha sido o prato principal, a descida e quilómetros seguintes foram a sobremesa de uma refeição de luxo. Foram quilómetros de trilhos apertados, limpos, abertos à mão. Descidas brutais, aos ésses, super divertidas. Há pouco descrevi-vos a minha subida ideal, já a descida aproxima-se muito das que apanhei em Nisa. Longa, técnica e com muitas curvas e contra curvas. Um contraponto perfeito àqueles estradões que descem a pique, onde a única preocupação é não massacrar demasiado as pernas a travar.  Muito, muito bons, aqueles trilhos! O percurso manteve-se espetacular até à Sra. da Graça, no topo da ultima subida de destaque da prova, que acabou numa estrada em calçada que me fez lembrar muito a subida a Marvão do UTSM. 

Sra. da Graça, lá em cima
Estávamos no km 22, ultimo abastecimento. A partir daqui o percurso tornou-se um bocado desinteressante, de volta aos estradões e as tais subidas e descidas que não gosto. Já foi em contagem decrescente de quilómetros que me arrastei até ao fim da prova, de volta a Nisa onde estava a minha comitiva de recepção!

Dá para ver as duas lá atrás, vieram a correr atrás de mim :)
Gostei desta prova. Aqueles 13km intermédios valem o regresso todos os anos! Organização imaculada, voluntários espectaculares, trilhos abertos de fresco, um percurso muito interessante num local inesperado. Aconselho toda a gente a experimentar para o ano! Infelizmente, tenho uma coisa a apontar. Algo que nunca falei aqui no blog, talvez por fazer parte da organização de uma corrida e saber que os custos de uma prova destas, ainda por cima sem patrocinadores, podem ser muitíssimo mais elevados do que as pessoas pensam. Mas os 15€, que apenas me deram direito ao dorsal e um íman como prémio de finisher (quando mo deram na meta pensava que era um daqueles papeis que diz logo o tempo e classificação), sem tshirt, sem almoço, sem um queijinho de Nisa (!!!), pareceu-me exagerado!


Quanto à minha prestação, dizer que foi sofrível é o mínimo, apesar do 31º lugar. Não tive pernas para a prova e acabei derreado, pela primeira vez com cãibras até quando tentava correr a direito. Disse no início que gostava de competir, e esta prova voltou a lembrar-me como o treino é importante. Não desfrutei da prova como gostaria e várias vezes senti-me frustrado por não estar a render. Depois de um mês parado é normal que assim seja, pelo menos estou satisfeito por a lesão não se ter manifestado! Felizmente o resultado foi sentir-me ainda mais motivado para voltar aos níveis que atingi na preparação para o UTAX. Porque há sempre algum gajo que pode ser ultrapassado numa subida!


Sessão de crioterapia que me soube pela vida!
Ah, a seguir fomos os 3 almoçar. Não nos deram nenhum, mas raios me partam se saio de Nisa sem comer um queijo! :)