As minhas corridas na estrada

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Muito mais que longo.

Na sexta feira passada saí de casa para correr 40km. Seria a maior distancia que alguma vez iria percorrer em treino.

O treino longo é considerado um elemento chave na preparação das maratonas ou ultra trails. Não sou de maneira algum um especialista, mas pelo que tenho lido (e experimentado) a ideia é simples e até lógica: o nosso corpo utiliza dois tipo de "energia" na corrida, a primeira são as reservas de glicogénio (hidratos de carbono) e a segunda é a gordura. 

O glicogénio é uma espécie de gasolina aditivada para aviões, que queima com uma grande velocidade e está guardado num deposito pequeno. Ou seja, as reservas são muito limitadas, apesar de existirem algumas estratégias para as aumentar (o famoso Carbo-Loading, ou por outras palavras, uma alimentação rica em hidratos de carbono, e outras que vamos ver mais à frente). Estas reservas são utilizadas sempre que fazemos alguma actividade física, particularmente em exercícios físicos intensos, nos quais precisamos de uma libertação de energia quase instantânea. O problema é o tamanho do deposito. Sendo pequeno, por mais que o treinemos este vai ficar vazio e depois o mais certo é darmos de caras com um senhor mal encarado com uma marreta na mão! Por isso, a menos que tenhamos alguma ascendência Queniana ou o nosso nome for Jéssica Augusto, para provas longas como a maratona ou ultra-trails, temos que recorrer à segunda fonte de energia.

O nosso corpo acumula muito mais gordura que hidratos de carbono, logo as reservas de gordura são muito maiores, além disso para a mesma quantidade de hidratos de carbono e gordura obtém-se mais do dobro de energia com a gordura. No entanto, são reservas de muito mais difícil acesso. De facto, tem que existir uma data de processos, que me ultrapassam, até que a gordura seja finalmente transformada em energia. Ou seja, o processo de libertação de energia é demasiado lento para actividades muito intensas. Ora, numa prova como um ultra-trail que pode durar várias horas, é óbvio que a chave do sucesso está aqui! 

Para o meu treino longo de sexta feira escolhi as estradas mais planas e chatas que conheço. Ao fim de 22km cheguei finalmente ao primeiro "abastecimento", na barragem de Alpiarça. Enchi as duas garrafas que levava na mochila com água (já estavam vazias) e segui caminho. Metade estava feito.

Ok, nesta altura já percebemos que necessitamos indispensavelmente de ambas as fontes de energia para a corrida. Parece que o ponto fulcral nisto tudo é arranjar uma afinação ideal para optimizar este consumo de energia. Ou seja, treinar o nosso corpo para utilizar as formas de energia de maneira mais eficaz. 

Para as reservas de glicogénio muscular este processo de afinação passa por um treino sistemático, bem orientado e acompanhado por uma dieta cuidada. Os músculos trabalhados aumentam muito a capacidade de armazenamento.

No entanto, como já vimos, o que nos interessa mesmo é optimizar o consumo de gordura (atenção, quando falo de gordura não estou a referir-me a banhas ou pneus). É aqui que entra o treino longo. Ao fazermos um treino de resistência de longa duração com intensidade baixa, estamos basicamente a ensinar os músculos a utilizarem cada vez com mais eficácia os hidratos de carbono em vez de recorrerem ao glicogénio. Temos ainda outra vantagem, quanto mais trabalhados os músculos, mais rápido é o processo de obtenção de energia o que reduz cada vez mais o consumo do limitado glicogénio! Lembrem-se que não só o deposito de gordura é muito maior, como a energia obtida é o dobro em relação ao glicogénio. Mas atenção, é muito importante que estes treinos longos sejam realmente de intensidade baixa!

Quando saí de Alpiarça notei que o ritmo que vinha sendo certo como um relógio nos primeiros 20km começou a baixar. É muito cedo para isso, pensei. Comi um gel, alguns frutos secos, porque o calor era muito, bastante água e continuei. Um pé à frente do outro.

Pronto, já percebemos as razões físico-químicas quanto ao beneficio do treino longo. Mas será  que é só uma questão física?

Não, está muito longe de ser.

Para mim, antes de cortar a meta aos 42.195km, o que define um maratonista são os treinos longos. É acordar de madrugada ao fim de semana no verão, enquanto toda a gente está na praia, e sair para correr sozinho durante 3 ou mais horas. Não há pessoas a aplaudir, não há pórtico da meta, não há abastecimentos de 5 em 5km. Somos só nós, os nossos pensamentos, e um pé à frente do outro. Vezes e vezes sem conta.

Seria de prever que alguém que fez duas vezes 53km no espaço de duas semanas cumpriria os 40km numa estrada relativamente plana com a maior das facilidades. Mas estava com 30km e de repente as pernas começaram a ficar presas. Parecia que todas as estradas onde corria eram a subir. As rectas tinham pelo menos 110km de comprimento e eu conseguia ver o final em todas. Tão longe...

É aqui que entra a outra componente do treino longo, tão ou mais importante que a questão física. 

Assim como os músculos precisam de ser optimizados para serem eficientes, também a nossa cabeça precisa de ser habituada ao massacre que é um treino longo. O desafio brutal que é por o pé direito à frente do esquerdo quando estamos completamente esgotados. Não há ninguém ali que nos incentive a tal, somos nós contra nós.

Depois dos 38km o meu corpo pediu para parar, mas não lhe obedeci. Ele queixou-se muito, protestou e fez birra. Não queria que eu mexesse as pernas mas eu contrariei-o. Estava numa missão vital, tinha que chegar aos 40km ou então......bem...tinha que chegar, pronto!

Cheguei à minha rua com 40km certinhos, se faltassem 500m lá teria que dar uma volta ao bairro, mas não. Estava completamente esgotado. Parei o cronómetro, pus as mãos nos joelhos e finalmente cedi ao queixume do meu corpo. Sentei-me no passeio e fiquei a olhar em frente, ofegante. Não havia ninguém para me dar uma medalha, nem sequer um speaker a incentivar ou pessoas a aplaudir, no entanto tinha passado quase 4 horas numa luta enorme comigo próprio. 

A recompensa? Bem, todos vocês correm, vocês sabem bem qual é a recompensa. 




segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A tempestade perfeita

Toda a gente sabe que depois de uma prova bem sucedida coisas estranhas passam-se na nossa cabeça. Descargas de adrenalina, sobre doses de endorfinas, euforia desmedida... Não sei, chamem-lhe o que quiserem.

Acontece que o meu calendário previa a participação em 3 provas muito desafiantes nas últimas semanas. O pior é que por "últimas semanas", estou a falar em 4 semanas. Três provas em quatro semanas: Almonda, Sintra e Óbidos.

A coisa foi acumulando muito lentamente, é certo, mas depois de Sintra a luz do manómetro acendeu e já tinha os stocks de euforia no máximo! Oh não..e ainda falta Óbidos! E se correr bem também? Podíamos, meus amigos, estar a presenciar a formação de uma tempestade perfeita! As consequências que daí advinham seriam imprevisíveis e possivelmente demolidoras! Mas nada a fazer, a inscrição estava feita, tinha 52km para correr em Óbidos e raios me partam se não os havia de correr!!

E corri.

E corri bem.

Mais uma vez acabei a prova bem disposto e com vontade correr mais.

Voltei para casa a flutuar numa nuvem de endorfinas e assim andei durante uns dias. Zero dores, nada de empenos, só satisfação e um sorriso constante na cara.

Olhei para o computador de bordo e vi uma luz vermelha a piscar. Era o indicador dos níveis de euforia, estava a passar dos limites e tentava avisar-me que o melhor era acalmar-me. Mas eu não quis ouvir. Porque é que havia de ouvir alguém? Consigo fazer tudo, não há nada que me pare agora!!

Pronto, nada a fazer, a tempestade perfeita tinha-se formado. Que o Deus nosso senhor das corridas  me ajude!

Entretanto, numa viagem de trabalho de cerca de duas horas, comecei a seguinte cadeia de pensamentos, que se veio a revelar catastrófica:

Pfff nunca mais é 13 de Setembro para ir correr os 40km do Douro Ultra Trail!!! Ainda por cima hoje vi o video de promoção da prova.. brutal!! Estou deserto para ir correr naqueles sítios! É pena não passar por todos, isso só o pessoal dos 80km. Aaah o pessoal dos 80km, nobres super-homens! Quem me dera.. Vou ter que esperar mais uns meses, e a treinar bem, para conseguir isso! Ainda só corri 53km, sou um menino ao pé deles. Se bem que 53km nem é muito longe de 80. Vistas bem as coisas são só mais 27km. Naaaa, mas não, isso não é para mim ainda!! ....ou é? Espera lá, estou aqui a consultar os meus indicadores internos e estão a dizer-me que possivelmente tenho pernas para isso! Não, melhor, dizem que faço aquilo na boa, é só ir com juízo!!! O quê? Agora estão a perguntar-me se não há distancias maiores, que também as consigo fazer!!! Mas, se consigo correr distancias maiores, consigo correr os 80km do DUT!! É ÓBVIO!! CONSIGO CORRER OS 80KM!!!!! QUERO MUDAR IMEDIATAMENTE A MINHA INSCRIÇÃO!!!!!

.....

Adivinhem qual foi a primeira coisa que fiz quando cheguei a casa.



domingo, 3 de agosto de 2014

VI Trail Noturno da Lagoa de Óbidos - 50km

Decidi voltar a dedicar-me aos trilhos há pouco tempo, logo ainda estou em pleno período de re-aprendizagem (será que acaba?). Ontem, durante as 7 horas que demorei a percorrer os 52km do Trail Nocturno da Lagoa de Óbidos, tive uma verdadeira masterclass de corrida em trilhos.


Mais uma vez, foi dia de invasão Almeirinense a uma prova. Desta vez foram 7 a fugir da Lezíria para os montes e vales (e praias, mas já lá vamos). A novidade é que desta vez fomos numa carrinha da Associação 20km de Almeirim, clube da terra que orgulhosamente passei a representar recentemente. 

O Victor está à parte não é por cheirar mal, era para mostrar o logo dos 20km.
Partimos a umas conservadoras 17:45, com margem suficiente para levantar dorsais, comer qualquer coisa, equipar e fazer-nos aos trilhos. Teoricamente seria mais que suficiente, mas o imprevisto está sempre presente, e desta vez decidiu dar um ar de sua graça na altura da refeição. Já agora, donos de restaurantes e cafés de Óbidos, está a haver uma feira medieval que traz milhares de turistas à vossa terra, ao mesmo tempo realiza-se uma corrida que traz outras centenas de pessoas, será assim tão difícil prever que o negocio nesse dia vai ser superior ao normal, e que o melhor é estarem preparados? Sete da tarde e já não há pão para fazer bifanas? Depois não vale culpar a crise... Bem, falhado o plano A, era altura de improvisar. Comprei uma caralhota numa barraca que vendia produtos regionais (se não sabem o que é, vão ver ao google ou então venham aos 20km de Almeirim em Outubro), um queijo de Nisa noutra e estava feita a bucha. 



Às 21h foi feito um briefing (mais uma vez nem sequer dei conta) e houve uma partida simbólica dentro de Óbidos. Percorremos as bonitas ruas da vila num percurso de 700m até ao pórtico de partida oficial. Adrenalina a correr, ansiedade em níveis máximos, cumprimentos feitos, desejos de boa prova, 3, 2, 1, siga!!

Esta é uma daquelas provas que ao analisar o perfil altimétrico dá imediatamente origem a um condescendente "ah, é muito rolante, é fácil!". De facto, ao analisarmos o percurso, os 900m D+ deixavam antever uma corrida tranquila e rolante. Será que é mesmo assim?? Hmm..já vamos ver.

Os primeiros 3km foram feitos num pelotão compacto, primeiro ainda dentro de Óbidos, depois por trilhos largos e estradões. Ao terceiro quilómetro deu-se o já habitual, mas sempre irritante, engarrafamento. Foi logo aqui, aos 3km, que enfiei um pé dentro de água pela primeira vez. Costumo falar pouco do material que uso, mas tenho que fazer uma referencia às minhas Salomon XT6 Softground. O molhar de pés foi uma constante ao longo da prova, assim como o armazenamento de areia para levar para casa, mas nem assim as sapatilhas deixaram de ser confortáveis e perderam eficácia. Uma escolha pouco económica (apesar dos 40% de desconto que consegui) mas bastante acertada. 

Ao analisarmos o perfil altimétrico da prova podemos constatar que uns 80% do acumulado da prova ficava despachado nos primeiros 20km.


Os primeiros 15km da prova foram típicos quilómetros de provas de montanha. Com algumas subidas muito agressivas, single tracks, descidas suaves ou nem por isso, passagens fugazes por povoações e atravessamentos de ribeiros. Logo ali no quilómetro 11, reforcei uma lição que já tinha aprendido em Sintra.

Lição nº 1
- Atenção à análise de gráficos de perfis. Aqueles montezinhos junto a grandes paredes, que parecem ideais para descansar, às vezes são o maior dos obstáculos.

Foi um desses "montezinhos" que provocou o parcial mais lento de toda a prova, 1km em 14m25s.

No entanto, talvez devido ao treino que tenho adoptado nos últimos 2 meses, sinto-me relativamente confortável neste tipo de traçado. A estratégia é sempre a mesma: subidas a andar, corrida no plano e tentar ao máximo minimizar os impactos nas descidas mais agressivas. Desta maneira foi fazendo quilómetros sem causar grandes danos ao corpo.

Ainda não vos tinha dito, mas por esta altura ainda não tinha parado de chover. Uma chuva molha parvos, é certo, mas o suficiente para nos deixar completamente molhados e bastante desconfortáveis.  Foi também por esta altura,  por volta dos 15km que aprendi mais algumas lições.

Lição nº 2
- O frontal é confortável, ilumina o caminho de maneira mais que suficiente e a noite é fresca e boa para fazer desporto, mas correr com esta luz artificial é muito mais cansativo do que julgava. Não sei se por ser míope, mas por esta altura sentia a cabeça cansada por estar constantemente a adaptar-me à pouca iluminação.

Foi por esta altura que pela primeira (e única) vez nesta prova desanimei um pouco. Faltavam 35km e já estava com pouca vontade de ali estar. A chuva e os problemas intestinais (quem diria, uma caralhota com queijo de Nisa meia hora antes de uma corrida não é lá muito boa ideia!) estavam a esmorecer-me, estava desconfortável. 

Depois da separação aos 17km começou verdadeiramente o Ultra. Logo depois da bifurcação apanhámos a primeira de muitas subidas em areia solta.

Licão nº 3
- Descidas em areia solta são engraçadas de se fazer. Podemos alargar a passada à vontade, não há o perigo de escorregar ou apanhar alguma pedra e tropeçar, é divertido! Correr em terreno plano na areia é muito, muito difícil! Um verdadeiro massacre. Até a andar custa. Subir em areia é +/- o equivalente a arrancarem-nos unhas com um alicate, espero que a imagem seja esclarecedora. Já agora, pessoal da Marathon des Sables e até da UMA - vocês são os maiores!! A mim não me apanham lá.

Por volta dos 20km estava claro que os problemas intestinais não me iam abandonar. A libertação de gases já era uma constante há uns quilómetros (o que motivou o seguinte comentário do meu colega Valter "Essas sapatilhas são fixes, mas rangem muito!") e uma paragem técnica era inevitável (acham que estou a ser nojento? Leiam aqui sff)

Lição nº4
- Cagar no mato é fácil. Cagar no mato com uma luz na cabeça pode ser um pouco constrangedor. Ah queres passar despercebido e despachar a coisa o mais rápido possível? Ok, tudo bem, mas faz isso com uma luz a apontar para ti, estranhamente uns metros desviada do percurso normal da corrida.

Enfim, mata adubada e estava pronto para enfrentar o resto dos trilhos. Fiquei bastante aliviado o que deu ânimo. Infelizmente os problemas intestinais continuaram pouco depois, como eu já suspeitava. Mas chega de queixume. 

O terceiro abastecimento, aos 25km, foi o primeiro de sólidos. Como estava um pouco mal disposto comi pouco, mas aproveitei para recuperar energias  numa paragem de cerca de 5 minutos. Estava muita gente no abastecimento por isso não foi fácil chegar-me à mesa da comida. Esta tinha o habitual, banana, marmelada, alguns salgados, batata frita, tomate com sal, etc, aos quais se juntava copos de água + isotónico. O suficiente para uma prova de 50km, penso eu. Neste abastecimento encontrei alguns desistentes que esperavam uma carrinha para os levar a Óbidos. Uma decisão sempre muito difícil, mas que foi feita na altura certa, já que o pior ainda estava para vir.


Estão a ver aquela secção toda junto ao mar? Correspondem aos 9km entre o 3º e 4º abastecimento. "Ah, junto à praia, isso é plano, deve ter sido bem rolante!" Ui, se era! Areia, subidas, descidas, arribas (ai as arribas..), molha o pé, areia nas sapatilhas, mais sobe e desce na areia, mais uma arriba....argh! Foram os 9km mais dificeis da prova, sem dúvida, mas também os mais bonitos. As arribas daquela zona à noite são qualquer coisa de espetacular. Não são como as de Sintra, altíssimas e agressivas, mas de uma pedra creme, suave, com sulcos grandes provocados pela passagem da água que com a luz do frontal tornam o cenário quase extraterrestre.

Foi a única imagem que encontrei na net. Não dá para ver as arribas, mas conseguem ver o tipo de piso.
Foi muito duro, principalmente por causa da areia. Demorei 1h40 a percorrer os 9km. Definitivamente aquilo ia deixar marcas, e constatei isso num quilómetro perfeitamente corrível antes do 4º abastecimento. De repente as pernas já não respondiam, e aqueles segmentos de descanso ameaçavam tornar-se um tormento.

O 4º abastecimento já estava menos concorrido e tinha a mesma coisa que o anterior. O pessoal da organização aqui foi impecável, sempre com palavras de incentivo. Enquanto comia perguntei a um se ainda tínhamos muita areia pela frente. Ele disse que não, que os próximos 9km, até ao próximo abastecimento eram feitos à volta da lagoa, numa ecopista perfeitamente plana e que depois voltávamos a uma parte de montanha parecida com a inicial. Ok, boa, por acaso o ultimo quilómetro tinha sido a correr e não tinha aguentado, mas não há-de ser nada!

Aqui está a inofensiva ecopista.
Saí do abastecimento revigorado e comecei então a contornar a Lagoa. Rapidamente reparei que o ritmo de 5 e pouco ao km dos primeiros segmentos planos deram lugar a 5:50, 6min/km. Tudo bem, é preciso é fazer e ir ganhando uns quilómetros. À medida que os quilómetros foram passando comecei a sentir o corpo cada vez mais preso, sentia dores em todo o lado. O ritmo mantinha-se e até fui passando muita gente, mas estava desconfortável a correr, cada passo era forçado, passava a vida a olhar para o relógio e não parava de beber água por causa de uma sensação constante de secura, o que piorava os problemas intestinais. Mais ou menos a meio dos 9km passámos por uma zona pantanosa obrigatoriamente a andar. Quando retomei o ritmo de corrida parecia que tinha dois paus em vez de pernas! Então mas o ser rolante não é bom?? Pois..

Lição nº5
- Desconfiem dos percursos rolantes. Não é tão bom como parece! Se fosse fácil, toda a gente fazia uma maratona. Correr durante períodos longos leva a um desgaste muito grande do corpo, ainda mais quando já estamos com muitos quilómetros de trilhos em cima.

Fui aguentando aquele ritmo pastelão de 6min/km e eventualmente lá cheguei ao 5º abastecimento, também de sólidos (excelente a distribuição dos abastecimentos). Estava com 43km, faltavam 8 segundo a organização. A prova estava feita, era altura de ir a gerir até ao fim!! Ou não..?

Lição nº6
- O organizador de provas de trilhos é uma espécie com um carácter bastante sádico. Quando pensas que já acabaste, só faltam 2 ou 3km, levas com uma surpresazinha só para não ires a rir para casa! 

Os 9km na praia seguidos dos 9km a correr (uuui, 9km a correr, que mariquinhas!) levaram as minhas reservas de energia quase a zero. Mal parei no abastecimento constatei isso. Demorei muito mais que nos outros. O exercício de trocar as pilhas do frontal assemelhou-se quase ao desarmamento de uma bomba, tal a dificuldade que já tinha em fazer as mãos obedecerem à minha vontade. Se já nem as mãos obedeciam, quanto mais as pernas!

Como previsto, os primeiros 5 de 8km foram em trilhos normalíssimos de montanha. Claro que já custavam muito mais a fazer que no inicio, mas lá se foram fazendo. Já cheirava a meta! O pior foram os últimos 3km (que afinal foram 4)..A tal surpresazinha! 

Quatro quilómetros de trilhos muito técnicos, num constante sobe e desce parte-pernas, lama, paus, valas com água pelo joelho, cordas, escadas e tudo a que temos direito! Uma ultima escadaria projectada por um senhor que certamente teria pernas com 2.5m de altura, mãos nos joelhos a subir, um ultimo esforço, entra na muralha e ... já está!! 7h02m depois chegava de um trail muito mais duro do que contava. Desta vez, por razões óbvias não tinha a Sara e a Maria Amélia a receberem-me. Fez falta...

O ultimo abastecimento, já na meta, estava muito completo, tal como os outros, e ainda tinha o bónus de uma sopa de legumes quentinha que me soube pela vida! Agora era altura de rumar para a carrinha para me encontrar com os meus amigos. Antes da volta ainda tomei banho nos balneários disponibilizados. Um banho a escaldar que me soube espetacularmente bem. Uma palavra ainda para a marcação do percurso que estava impecável. Excelente organização a corresponder às expectativas.

Em conclusão, foi uma boa prova, muito mais dura do que contava, e que deu para fazer um bom treino de corrida nocturna, que servirá para outras aventuras. No fim, ainda me apercebi de mais um, óbvio, ensinamento:

Lição nº7
- Duas semanas a separar duas ultra maratonas de 52km é pouco, se calhar ganhava um bocadinho de juízo e deixava de pensar que sou o Luís Mota!

Um último destaque para o meu amigo e Almeirinense Omar Garcia que voou por Óbidos em 5h13, acabando em 17º da geral! Parabéns chefe!

Próximo objectivo - Douro Ultra Trail (80km), 13 de Setembro.