As minhas corridas na estrada

terça-feira, 22 de julho de 2014

Ultra Trail Monte da Lua - 50km

"Cinquenta e três quilómetros? Sete horas e tal?? Mas não foste sempre a correr pois não? Aaah então está bem!" É mais ou menos assim que têm sido as minhas conversas com os Muggles nos últimos dias (sim, fiz uma referencia extremamente nerd ao Harry Potter). Mas quem os pode censurar? Como é que se explica a alguém que uma subida é tão agressiva que nos deixa as pernas a arder no fim de 100 metros? Como é que se faz ver a uma pessoa que uma descida pode ser muito mais massacrante que a pior das subidas? Pois, eu também não sei, mas vou tentar nas próximas linhas descrever a experiência brutal que foi no sábado passado correr o Ultra Trail Monte da Lua.

Decidi há uns tempos que ia fazer umas provas de trail. Dar uma nova oportunidade a uma variante da corrida que comecei por olhar com muita desconfiança e até foi posta de lado depois de algumas experiências piores. Mudei o método de treino e a maneira de encarar as corridas, uma mudança de chip, como disse no último post. No sábado ia fazer o derradeiro teste. A última vez que tentei a distancia, o ano passado no Zêzere, foi 90% de sofrimento e 10% de diversão. Parti para o Monte da Lua com um único objectivo: inverter esta estatística.

O primeiro desafio desta corrida foi o planeamento e preparação. Já fiz algumas maratonas, li dezenas de textos sobre isso, posso dizer que consigo preparar a prova com relativa segurança. Mas e para uma corrida de 50km que vai durar 7 ou 8 horas? Nas ultimas duas semanas andei exaustivamente a preparar uma lista de itens para que não faltasse nada. Analisei previsões meteorológicas, ouvi conselhos de gente experiente e preparei-me mentalmente para a grande aventura. Toda esta antecipação fez subir muito os níveis de ansiedade, claro. Mas é aquela ansiedade boa, das borboletas na barriga, de estar a trabalhar e só pensar no momento em que passamos por baixo do pórtico da partida!

No sábado, às 8 da manhã, lá estava eu na Praia das Maçãs com os meus companheiros de Almeirim, juntamente com outros cerca de 200 atletas (? ainda não saíram as classificações, não sei bem quantos eram) que iam partilhar o percurso connosco. Sim, o percurso, porque a prova é diferente para cada um de nós. Depois de um briefing já no areal da praia, que confesso prestei pouca atenção, foi dada a partida.

Aí vão eles. Eu estava lá para trás.
Dificilmente poderíamos ter um melhor dia em Julho para correr que o que esteve no sábado. Nublado, temperaturas a rondar os 21 graus, sem chuva e sem vento. Perfeito!

Juntamente com o equipamento e comida, decidi levar comigo uma Go Pro emprestada para tirar umas fotos pelo caminho. Muito boa ideia, dizem vocês! Pois é, mas tinha sido bem melhor se a tivesse levado com a bateria carregada! O resultado foi um video de 10s da partida e puff, acabou-se a Go Pro. Ainda por cima embebido pelo espírito de Tarantino que há em mim, esqueci-me de ligar o cronometro até estar quase com 1km de prova... Qué burro! O resultado é que mais uma vez não tenho uma única foto da corrida. Todas as que vão ver neste post são escandalosamente roubadas do facebook.

Os primeiros 10 quilómetros foram tranquilos, quase sempre a subir ligeiramente. Disse a mim mesmo que ia andar em todas as subidas e assim fiz, mesmo aquelas que conseguia correr. Nesta altura seguia em conjunto com o meu amigo Victor. Houve um primeiro, e único, congestionamento para passar por um ribeiro logo aos 2º ou 3ºkm. Para a prova dos 50km não foi nada de especial, mas já ouvi dizer que nos 25 provocou um grande tempo de espera.

O tal ribeiro.
A prova teve poucos abastecimento, apenas 2 sólidos e 2 líquidos (só de água). É verdade que sim, eram poucos para uma prova destas, mas não sei se por já estar mentalizado para isso não senti necessidade de mais. O primeiro foi aos 16km, depois de 5km quase sempre a descer por uns trilhos rápidos muito giros. Racionei o litro de água que levava comigo e chegou mesmo à conta ao abastecimento. Felizmente que este estava no sitio certo e não 1km ou dois à frente, como às vezes acontece. Já ia com uma ligeira sensação de fome há algum tempo, por isso mal lá cheguei alambazei-me de banana, amendoins, batata frita, marmelada, tomate com sal e outros salgados que para lá havia. Soube-me espectacularmente bem e deu-me uma energia extra para os próximos quilómetros. No abastecimento o David juntou-se a mim e ao Victor. Seguimos os três juntos.

Para mim, a verdadeira prova começou logo a seguir ao abastecimento, no km 18, quando entrámos na Quinta da Regaleira. Nunca tinha visitado a Regaleira, que crime! Foi fantástico correr naqueles caminhos, num sobe e desce constante por trilhos e estradões. Em todo o lado respira-se mistério e simbolismo. O ponto alto foi a descida do Poço Iniciático, usado em rituais de iniciação à maçonaria. Senti-me um privilegiado por poder correr ali, e até me fez esquecer que já íamos quase com 20km nas pernas.

Poço Iniciático.

Já completamente embrenhados na Serra, a fase seguinte da corrida foi a subida ao Castelo dos Mouros. Esta foi a primeira subida a sério da prova. A certa altura passámos por uma grande escadaria, com degraus muito incertos, que me fez pensar no ultra trail da Madeira, onde os degraus são prato forte. É muito mais difícil do que parece. Nesta altura ainda não houveram troços muito compridos a subir, mas o caminho era extremamente técnico o que obrigava a uma série de esforços de recurso que foram moendo o corpo. Foi aqui que me separei dos colegas almeirinenses. Até ao fim da prova corri muitos quilometros completamente sozinho. Não é coisa que me aflija, e felizmente o percurso esteve sempre muito bem marcado, quer pelas fitas quer por bolas pintadas no chão. Nunca me perdi e raramente tive dúvidas sobre que caminho seguir.

O segundo abastecimento, este só de líquidos, estava situado aos 28km na Lagoa Azul. Eu não conhecia de todo a Serra de Sintra, mas aquele foi dos cenários que mais gostei. Principalmente porque não estava nada à espera de encontrar ali um lago daqueles. Antes do abastecimento houve 4 ou 5km bastante corriveis, em descidas pouco agressivas por trilhos e estradões. O ideal para retemperar energias. Aproveitei para encher os bidons que já estavam nas últimas. Mais uma vez o abastecimento estava no sitio certo, deu para racionar a água na perfeição.

O abastecimento estava naquele sitio com areia que se vê ali. (Obrigado Google)
O segmento seguinte, até ao terceiro abastecimento, era de 8km. Ao analisar o perfil altimetrico distinguimos uma secção com uma ligeira subida, depois uma descida e finalmente uma subida. Uma grande subida! Em termos absolutos foi a maior do percurso. Mais ou menos 400m em 3km.

Lá está ela, entre os km 30 e 33.
Confesso que entre os preparativos todos da prova, estudar o perfil não foi um deles. Só olhei para ele uma ou duas vezes, por isso nem sabia bem o que me esperava quando entrei num trilho que no inicio achei muito engraçado com umas pontezinhas artesanais em madeira. Até que passa uma bicicleta a voar em sentido contrário, e um gajo com protecções tipo futebol americano em cima dela. Hmmm...espera lá..então mas o gajo vem lançado..quer dizer que isto eventualmente vem a descer de algum sitio! Pois... tinha acabado de entrar no que mais tarde vim a saber ser o Trilho das Pontes, uma descida brutal feita para o pessoal do downhill. O pior é que nós íamos em sentido contrário!

Não encontrei nenhuma foto boa, mas aqui está uma pequena amostra.
Esta foi a primeira subida que me deixou mossa. Depois de cerca 20 minutos a subir, e com ela a ficar cada vez mais inclinada, a certa altura tive que parar um pouco, mãos nos joelhos, respirar fundo 2 vezes e fazer-me a ela de novo. Demorei quase 40 minutos a escalar esta parede de 3km! Respirei de alivio quando chegámos a um patamar e vi os ciclistas a equiparem-se todos para descer.

Antes do trilho das pontes, na parte plana e a descer, passámos por umas mansões abandonadas que não posso deixar de mencionar. Nesta altura ia a correr sozinho há uns 2 ou 3km, não via ninguém nem à frente nem atrás. De repente entro num jardim de uma propriedade privada e encontro isto:


Mais uma vez, as fotos não são minhas, mas eu também entrei lá dentro :)
Logo a seguir às pontes, cheguei ao terceiro abastecimento, de sólidos. Este era em comum com o 1º da malta dos 25km (era no 8º km deles), que já ali tinha passado toda. Tinhas as mesmas coisas que o nosso primeiro, mas já estava tudo muito escolhido. Acabei por comer menos, mas também já me estava a custar um pouco comer solidos, principalmente os salgados que se empapavam na boca. Salvou-me o tomate com sal. Os bidons enchi-os de novo. Calculo que durante toda a prova bebi entre 5 a 6 litros de água, pode parecer muito mas a verdade é que desde o 1º km que corri completamente ensopado em suor, todo o meu equipamento escorria água. Não estava sol nem muito calor, mas o tempo era extremamente húmido e abafado.

Terceiro abastecimento. Mais uma foto roubada do Facebook.
A fase seguinte era ligeiramente a subir até à Anta de Andrenunes. Estavamos a sair da serra e isso via-se até na vegetação. Quando entramos no planalto onde está situada a Anta correu imediatamente um ligeira brisa que quase deu para cheirar o mar. O Cabo da Roca era lá bem em baixo, estava quase a acabar, pensei eu!

Anta de Andrenunes.
A seguir à Anta foram quatro quilometros sempre a correr. Mais uma vez a variar entre trilhos rápidos e descidas pouco agressivas, espectacular para abrir um pouco mais a passada e aproveitar a energia potencial! Ainda não vos tinha dito, mas estava a sentir-me muitíssimo bem! Desde o primeiro quilometro que fazia as subidas a andar com uma passada vigorosa e aproveitei todas as secções planas e a descer para correr. As pernas responderam sempre bem, e não me custava nada passar de uma subida agressiva para um quilometro ou dois a correr a bom ritmo. Foi assim do 37º ao 41º km, quando chegámos a Azoia. Analisando os dados do Garmin, foram 4km sempre a rondar, ou mesmo baixar, dos 5min/km. A certa altura reconheci um troço do percurso do GP Fim da Europa, à entrada da Azoia. Sabia que o Cabo da Roca era já ali, não é que estava mesmo quase a chegar, ainda por cima com umas espectacular 5 horas e meia! Eish! Faltam 11 ou 12km, vou lançado, isto é coisa para acabar bem antes das 7 horas!!!

AHAHAHA ....

Pobre e ingénuo tolo...

Estão a ver o Farol lá à frente? Agora estão a ver aquelas duas ligeiras depressões antes de lá chegar? Pois..é claro que não fomos à volta.

Ainda estou para encontrar uma foto que faça justiça a esta arriba.
Ah, as famosas arribas! Tanto que ouvi falar delas! No perfil da prova parecem ligeiros montes, nada comparado com o acumulado que já levávamos nas pernas. Já me tinham avisado para a violência, mas eu achei que estavam a exagerar, não podia ser tão mau assim!

Mas era.

A primeira descida foi assustadora. Já li por aí muito pessoal indignado a queixar-se da insegurança. Eu não vou tão longe, não há muito que se pudesse fazer, a não ser que não quisessem incluir a arriba no percurso. Mas de facto tenho que confessar que a certa altura senti medo. A descida era incrivelmente inclinada e técnica, além disso íamos com 42km nas pernas, estas já não respondiam a 100%, e tive a noção algumas vezes que um passo em falso podia ter um resultado catastrófico (acreditem que não estou a exagerar). Foram várias as vezes que usei as mãos e por uma ou duas usei um 5º apoio (vulgo rabo).

Logo sem conseguir sequer pensar ou respirar, apanhamos com uma subida brutal. Autentica escalada por ali acima! A subida foi dura para as pernas, mas a descarga de adrenalina foi inevitavelmente menor, já que à nossa frente só víamos pedras para subir ou a sola das sapatilhas de um companheiro.

Andámos 4 vezes neste carrossel sádico. No fim da segunda tivemos uma pequena trégua no 4º e ultimo abastecimento situado no Cabo da Roca.

Foi duro mas tinha acabado! Parecia que me tinha passado um camião por cima, mas mantive o ânimo alto com a sensação que tinha superado a prova. Estava agora a correr numa estrada de alcatrão que ia dar a uma praia (Adraga?). Mais uma vez as pernas estavam a responder muito bem e consegui correr a bom ritmo sem problema! Faltavam agora 4 ou 5km, já não era nada!

Mas era.

Foi nesta praia que levei um último e brutal golpe. Uma subida de uns 400m toda em areia solta. Eu sei, não parece nada de especial, mas talvez devido ao cansaço acumulado (acumulado é a palavra certa) aquilo bateu-me de uma maneira muito forte.

Aqui está um amigo na dita cuja. Ah, podem ver ali naquela rocha da direita a tal bolinha que marcava o percurso.
Mais uma vez, como no Trilho das Pontes, tive que parar um bocado e respirar fundo. Nesta altura as nuvens tinham aberto e o sol brilhava forte. Estava cansado, a começar a desidratar, com muito calor... Faltavam apenas 3 ou 4km, mas pela primeira vez senti as forças a fugirem-me.

Os 2km depois da subida de areia foram os que menos gostei. Por trilhos sempre muito arenosos, com muita e densa vegetação junto à praia que não nos deixava correr. Não havia nenhum desafio de especial, era só chato correr ali!

Descemos finalmente até à Praia Grande para o final. Junto a um cruzamento estavam dois membros da organização aos quais perguntei quanto faltava. 1800m, responderam eles. Esta parte junto da praia foi um pouco anti-climax. Corremos no passeio junto à estrada. A dividir o espaço connosco estavam dezenas de veraniantes e surfistas. Tive que me desviar de alguns. Coitados, mal sabiam eles que ali ao lado iam uns bravos que tinham passado as ultimas 7 horas em esforço, se soubessem abriam alas!! ... Ou não eheh.

Uma ligeira subida final, esta até deu para correr, e ali estava ele - o areal da Praia das Maçãs! Lá estava o pórtico da chegada, lá estava a Sara com a Maria Amélia ao colo para me receberem como sempre. Tinha conseguido! 53km depois, voltei à praia das Maçãs com muito para contar! Só precisava de descer uma pequena arriba, passar por um riacho, correr 100m e já estava!

Esta foto é do pessoal dos 25km a partir, mas a pequena arriba que tivemos que descer na chegada é a que eles estão a subir.
De repente as pernas, que já nem estavam assim tão más, ficaram a 100%! Desci a arriba a saltitar como se estivesse fresquinho! Cheguei ao riacho, estavam uns miudos a brincar nas pedras que dariam para passar sem molhar os pés. Que se lixe! Já cheguei, que se molhem os pés! Pumba, pés molhados, saltareco para sair do riacho e....TAU!

Uma cãibra brutal no interior da coxa como nunca me tinha dado na vida! Nunca fui muito propenso a cãibras, e durante a prova toda nem tive sinais disso! Agora lá estava eu, a 100m da meta, agarrado à perna sem conseguir dar um passo ahahah que drama! De repente olho para a frente e vem a Sara a correr com a Mel ao colo a rirem-se muito "Anda filha, vamos ajudar o papá!! Aiii os meus pés, tou-me a queimar na areia!!" ahaha só visto. Eventualmente aquilo lá passou e quase que tinha que ser eu a ajuda-la a andar :)

Quase 53km e 7h25 depois cruzei de novo a meta na Praia das Maçãs. O objectivo a que me tinha proposto foi cumprido na plenitude. Gostei de cada quilometro desta prova e a percentagem de diversão suplantou em larga escala a de sofrimento. Quanto à organização, não vou alinhar nalgumas criticas que têm sido feitas. Sim, é verdade que os duches faltaram, mas chegar na praia tem esse inconveniente. Por outro lado pudemos fazer uma sessão de crioterapia no final que soube pela vida! O percurso esteve sempre bem marcado. Os abastecimentos é verdade que eram poucos em número, mas acho sinceramente que suficientes. Quanto ao preço... Bem, foi uma prova cara, mas temos que pensar que passamos pelo Parque Natural, Quinta da Regaleira, Monserrate, etc etc, tudo sítios que de certeza requeriam algum tipo de licença.

Entretanto, quanto a mim, fiquei definitivamente apanhado pelo trail. Daqui a duas semanas já tenho novo desafio, no Trail Nocturno da Lagoa de Obidos (50km), e assim que cheguei a casa inscrevi-me no meu próximo GRANDE desafio. Algo que já andava a pensar há algum tempo, mas estava expectante em relação a Sintra para decidir.

Olá Filipe Torres,
Foi registada a sua inscrição no evento Arrábida Ultra Trail, a decorrer no dia 16-11-2014

:)

segunda-feira, 7 de julho de 2014

5º Trail do Almonda - Mudar o chip

Quanto comecei a escrever este blog disse em tom de aviso que preferia estrada a trail. Comecei a correr em estrada há já alguns anos e antes disso vinha da natação. Eu sei que que pode parecer parvo, mas encontro muitas semelhanças entre os dois desportos. Em ambos levamos o nosso corpo ao limite durante um certo período de tempo, não há outras variáveis nem distracções. É por isso que gosto tanto dos dois desportos, gosto quando o trabalho é recompensado e de chegar ao fim de um treino ou prova e sentir que deixei tudo naquela ultima meia hora, hora, três horas, seja o que for.

As primeiras provas em trilhos que fiz fui com essa mentalidade. Estava numa prova, logo tinha que dar tudo com um único objectivo - cortar aquela meta o mais depressa possível! Escusado será dizer que não correram bem. Acabei por me divertir pouco e sofrer muito, o que me deixou com um sentimento amargo em relação ao trail. No entanto nunca consegui disfarçar que o apelo estava lá. Eu adoro correr em estrada, seja em prova ou treino, mas havia qualquer coisa nos trilhos que me puxava. Como é que podemos não gostar de correr na natureza, superar desafios épicos, passar os limites da nossa resistência? Pois é.. é impossível! Mas algo tinha que mudar na maneira como encarava o trail, estava na altura de mudar o chip. Foi o que fiz, e o primeiro grande teste foi ontem em Pedrogão.


A prova escolhida foi o Trail do Almonda. 30km com 1200m D+. Pelas estatísticas não me pareceu demasiado duro e ainda por cima era perto de casa. Além disso foi uma verdadeira armada de Almeirinenses à prova, ao todo éramos 8!

Inscrição feita, agachamentos e pranchas em cima do corpo, rampas subidas - tudo pronto! Eram 9 da manhã e estava na altura de finalmente encarar um trail como deve ser!

Para quem segue +/- a blogosfera sabe de dois factos incontestáveis: os trilhos no Inverno/Outono têm muita lama e no Almonda está um calor infernal. A organização também sabia disso e nos dias anteriores à partida desfez-se em conselhos para o calor, anunciou o apoio de bombeiros que iriam molhar os atletas e até chegou a ponderar adiantar a hora da partida. Pois é, o problema é que o aquecimento global tem destas coisas e ontem chovia torrencialmente às 9 da manhã! Bem, não havia nada a fazer, o melhor é começar já a correr que aquecemos num instante!

Ao analisarmos o perfil altimétrico da prova salta-nos logo à vista que os primeiros 10km parecem relativamente planos.


E de facto foram. Tirando algumas subidas curtas e técnicas, andámos sempre por trilhos com muitas pedras e MUITO enlameados, o que dificultava a aderência e nos fazia andar mais devagar. Nada de preocupante para mim, desde o inicio que imprimi um ritmo perfeitamente confortável, estava ali para aproveitar a viagem. 

Foi com esse espírito que parei em todos os abastecimentos para comer e beber água, desde o primeiro, aos 6km, ao quinto já nos 25. Ainda não participei em muitas provas de trail, mas pareceu-me espectacular abastecimentos de líquidos e sólidos de 5 em 5km! Ainda sobre a organização, não posso falar muito sobre a marcação dos trilhos porque como ia no pelotão acabava por ter quase sempre um corredor de referencia. Sei que houve pessoal que se enganou num ponto, admito que estivesse mal sinalizado mas não me apercebi. A mim pareceu-me tudo muito bem. 

Passados os primeiros 10km de corrida quase sempre constante (mesmo a um ritmo perfeitamente controlado e descansado demorei 60 minutos a fazer estes 10km), estava finalmente na altura de começar a subir. Era agora que ia ver se os agachamentos realmente resultam!

A grande subida da prova tinha aproximadamente 5km e 600m de acumulado positivo. Nesta altura entrámos verdadeiramente na serra. A subida foi quase toda feita num trilho estreito (single track) com vegetação cerrada que nos arranhava os braços, pernas e cabeça. Fi-la obviamente toda a andar, mas sempre numa passada constante e vigorosa que me permitiu até passar algumas pessoas. Subimos e subimos durante cerca de meia hora até finalmente a vegetação desaparecer. Lá ao fundo no nevoeiro vimos as famosas antenas, ponto de passagem obrigatório em qualquer trail. 

A grande subida estava feita e nem tinha dado por ela! Sentia-me muito bem fisicamente e nunca cheguei a ter aquela sensação que tive noutras alturas das pernas quase entrarem em combustão espontânea. Ok, não foi uma super subida, mas foi bastante longa. Longa o suficiente para há uns meses ter chegado lá acima de rastos. Agora sim, estou convencido que o tipo de treinos que tenho feito resulta mesmo!

Foi com esta dose extra de motivação que enfrentei os 5 quilometros seguintes praticamente todos a descer por single tracks muito rápidos e técnicos. Cada vez estava a gostar mais de estar ali, e pela primeira vez num trail não passei o tempo a olhar para o relógio à espera que os quilometros passassem. A segunda grande subida (muito menos agressiva que a primeira), mais uma vez a andar, foi também ela feita sem grandes problemas. A descida final foi super divertida, pelo que eu julgo ser um caminho de downhill dos ciclistas. Super rápida e técnica! Tive que por de lado as preocupações de me enrolar todo, mas valeu a pena. Os últimos 5 quilometros foram os mais aborrecidos da prova, numa estrada quase sempre plana e um pouco monótona num vale.

Cruzei a meta numas modestas 3 horas e 39 minutos. Eu sei que isto parece um lugar comum, mas realmente o tempo foi o que menos interessou nesta prova. Considero que o objectivo foi plenamente cumprido! Nesta altura estou com a motivação em níveis máximos para os 50km de Sintra daqui a duas semanas e com outra segurança quanto às minhas capacidades. Que chegue o dia 19!

A única foto minha que encontrei. Na parte final, o tal vale monótono.